Parte Final | Direito à educação no contexto da COVID-19 em Pernambuco: entre políticas emergenciais
Na segunda e última parte da reportagem seriada “Direito à educação no contexto da COVID-19 em Pernambuco: entre políticas emergenciais e os riscos de medidas discriminatórias”, você verá como os desmontes públicos, realizados nos últimos anos, contribuíram para agravar os diversos contextos sociais, como a educação, por exemplo.
A crise educacional atual, trazida à tona pela pandemia da COVID-19, é apenas a ponta desse iceberg, uma vez que o problema tem origem e apresenta uma série de questões anteriores. Antes de prosseguir a leitura, se você, leitor e leitora, não acompanhou a primeira parte da reportagem, clique aqui.
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Bem antes da COVID-19
A discussão sobre Ensino a Distância também fez emergir a situação da educação no país antes da pandemia, posto que assim como outros direitos essenciais, a exemplo da saúde e assistência social, a educação é campo que vem acumulando inúmeras perdas e cortes dentro da lógica neoliberal vigente e do atual governo de extrema direita. É o caso emblemático da Emenda Constitucional 95/2016, conhecida como Emenda do Teto dos Gastos ou Emenda da Morte. Considerada pela ONU a medida econômica mais drástica do mundo contra direitos sociais, colabora para situar a educação no lugar de mais um serviço prestado, a ser vendido, e não como direito a ser universalmente assegurado pelo estado com os investimentos públicos que necessita. Assim, em meio aos cortes, medidas que prometem mais por menos, como o Ensino a Distância, já vinham ganhando força – gerando lucros para empresas que fornecem tecnologias e métodos de ensino e prometendo economia para quem adquirir.
Desse modo, o propagado direito a aprendizagem que as ações educacionais emergenciais empreendidas – e que têm o Ensino a Distância como base – no contexto da pandemia, tanto da rede pública estadual, quanto em alguns municípios, devem ser ações muito bem compreendidas. Sobretudo no momento em que as questões / decisões acerca do ano letivo, sua carga horária, estão para ser encaminhadas e que este fato coincide com a sinalização de retorno das aulas presenciais.
Embora o governo do estado não tenha indicado oficialmente o momento (mês, data) e os termos para este retorno, as flexibilizações de medidas que anunciam o tempo da pós-pandemia, ou de convivência com o vírus, entraram em pauta e finalmente começa-se a debater – em instâncias como secretarias de educação, conselhos municipais e estadual de educação, comissões de educação de câmaras municipais – protocolos para o pós-pandemia. Finalmente é termo aqui empregado por nós não como um apressamento ao retorno, posto que avaliamos a flexibilização anunciada pelo governo estadual, visivelmente focada no imperativo econômico, como temerária no momento em que o contágio é ainda crescente.
O planejamento, que já deveria estar em discussão ampliada (envolvendo governos e outros atores políticos do campo da educação bem como estudantes, famílias, sociedade civil), não implicaria, portanto, antecipar, aligeirar o retorno ao espaço físico escolar, mas assegurar-se e precaver-se de modo a prover as melhores condições, esforços e os investimentos financeiros necessários a um retorno seguro voltado à proteção da vida, da saúde e da aprendizagem de crianças, adolescentes e jovens, bem como dos/as profissionais da educação escolar.
Dada a complexidade da situação, tempo e amplo debate, fatores importantes para que se elaborem protocolos consistentes de retorno das aulas presenciais, foram prejudicados pelo início tardio das discussões. Entretanto é imperativo que este debate aconteça e considere questões diversas e essenciais: 1. Um olhar estratégico para as diferentes formas de impactos dos efeitos da pandemia nas diferentes infâncias, adolescências e juventudes, tendo em vista que, no retorno, emergirão com força as consequências de violações ocorridas no período do isolamento e no retorno em si às aulas presencias. E a educação terá que lidar com isso também do lugar do espaço escolar. Neste sentido o monitoramento dos retornos dos/das estudantes é fundamental, assim como é que se dê a partir de estratégias e instrumentais que permitam levantar dados desagrupados identificando gênero, raça e território, entre outros. Este fator é essencial no reordenamento de ações e políticas que visem mitigar e contornar os impactos sabidos negativos. 2. Cuidar para que o espaço escolar esteja adequadamente preparado para um retorno seguro, observando: equipamentos de proteção e segurança; material de higiene e limpeza, bem como a própria condição de higiene das escolas (muitas têm problemas de abastecimento de água); organização dos espaços prevendo quantidade de pessoas e distâncias ente si, nas salas de aula, por exemplo, e, frente a isto, organizar possíveis compensações de carga horária; considerar realidades socioterritoriais diferentes observando: escolas em zonas rurais, em comunidades quilombolas, pequenos municípios, educação especial/inclusiva, etc.
Ilustração: João Lin
Não há dúvida que a pandemia e a transição do isolamento social para a convivência com o vírus coloca a educação (seu espaço físico; seus aspectos pedagógicos – currículo, metodologia; suas normativas – ano letivo/carga horária; seus sujeitos: estudantes, professores/as, gestores da educação, conselhos de educação, sindicatos…) como um dos campos de centralidade de atenções no momento.
Para escrita deste texto, dialogamos – quer diretamente, quer acompanhando assembleias públicas virtuais – com diversos atores: Conselhos Municipais de Educação (Recife, Camaragibe); Conselho Estadual de Educação de Pernambuco, sindicatos (SINTEPE, SIMPERE), Comissões de Educação do Legislativo (Câmara de Vereadores do Recife), Secretarias de Educação (Recife, Camaragibe, Igarassu); Conselho Estadual de Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes. Desses diálogos alguns outros pontos, além dos já abordados ao longo do texto, são importantes reter e visibilizar:
– Durante a pandemia da COVID-19 as iniciativas adotadas nas redes públicas de educação não caminharam e nem caminham minimamente articuladas. Há, portanto, situações muito diversas: municípios que adotaram atividades de ensino a distância (independente de qual recurso utilizam: tv, rádio, internet, apostilas) e outros que não adotaram; há conselhos municipais de educação que emitiram pareceres (o Conselho do Cabo de Santo Agostinho, por exemplo, emitiu e estabelece o teto de 25% da carga horária no ano letivo 2020 por meio de modalidade EaD); e outros que estão iniciando as discussões agora. O Conselho Estadual de Educação até o fechamento deste texto não havia emitido parecer, mas iniciado discussões virtuais públicas sobre o ano letivo na sua correlação com EaD e o momento pós-pandemia;
– É necessário cobrar que todas as redes que adotarem agregar conteúdos ministrados via EaD, na compensação de conteúdos/horas, tenham estabelecido, e publicisem, meios de controle de verificação do acesso dos estudantes, bem como de avaliação das aprendizagens, deixando claros critérios de reparação aos estudantes e às estudantes que não puderam ser incluídos/as nas atividades remotas;
– Há relativo consenso entre a classe de professores/as quanto ao fato de atividades por meio de EaD servirem como complemento às atividades presenciais, que a tecnologia pode ser aliada na não quebra de vínculos dos/as estudantes com a escola, com seus pares, com professores/as. Mas há também expressiva defesa contrária a EaD em todos os níveis da educação básica;
– As medidas até então pensadas – ao colocarem o foco na primazia do ano letivo 2020, cumprimento das 800 horas – podem estar deixando de analisar outras possibilidades como, por exemplo, a fusão entre os anos 2020-2021 e que o ano letivo não necessita ser igual ao ano civil. Destacamos que algumas redes já consideram a progressão do ano 2020 em 2021, tendo em vista que o período de suspensão das aulas não permitiria mais compensações de carga horária/conteúdos em 2020;
– Atentar para suspensão de contratos temporários de professores/as e seu impacto em municípios do interior. Vários desses/as profissionais tiveram seus contratos revogados no período de isolamento/suspensão das aulas – fato que coloca em risco o retorno presencial, considerando que o período eleitoral (eleições municipais 2020) restringe contratações durante o calendário eleitoral;
– Necessário empreender discussões amplas para definição do ano letivo e retorno às aulas presenciais, pois há, entre a sociedade civil, sindicatos e outros segmentos, a queixa dos governos não estarem privilegiando escutas amplas: com profissionais da educação, representações estudantis, famílias, fóruns de educação;
– Olhar para experiências que buscam outros caminhos, a exemplo do tomado pelo município de Igarassu, cuja secretaria afirma não considerar horas EaD na compensação do currículo e carga horária do ano letivo de 2020, assim como o Conselho Municipal sinaliza abrir, via redes sociais, consulta pública para ouvir a população sobre as propostas do órgão;
– Produzir e disponibilizar dados e informações que permitam monitorar: recursos empregados com medidas emergenciais, eventuais efeitos da discriminação educacional;
– Maior aproximação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes com o contexto da educação no estado, garantindo maior presença dessa política neste Conselho.
Michela Albuquerque é Jornalista e integra a equipe do Programa Direitos da Criança e do Adolescente. Paula Ferreira é Pedagoga do Cendhec.
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