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No 18° Encontro do FBSP, Organizações da Sociedade Civil Ressaltam Importância da Segurança Pública Alinhada aos Direitos Humanos

Texto e Foto: Alcione Ferreira

Em sua 18º edição o Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública reuniu durante três dias em Recife especialistas, acadêmicos, profissionais, autoridades e representantes da sociedade civil de 26 estados brasileiros para ampliar o debate sobre a segurança pública no Brasil. Ao todo foram três conferências e 48 painéis, com quase 800 participantes interagindo em temas que refletem as principais preocupações e desafios do setor. O evento é uma realização do FBSP em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), através da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senapen), e da Universidade Católica de Pernambuco.

Confira a seguir um painel resumindo os três dias de evento:

Primeiro Dia: Direitos Humanos e Sistema Socioeducativo

O primeiro dia do encontro foi marcado por uma análise detalhada dos Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional, com foco nas propostas que podem impactar os direitos de adolescentes e jovens no Sistema Socioeducativo. A Coalizão pela Socioeducação conduziu uma discussão sobre a redução da maioridade penal, destacando os riscos de uma abordagem punitiva que poderia aumentar a criminalização e prejudicar a reintegração social de jovens.

A Coalizão argumentou que a redução da maioridade penal pode, em larga escala, agravar ainda mais a situação de jovens que se encontram cumprindo medidas socioeducativas, com consequências negativas para suas oportunidades de reabilitação e inclusão social.

Uma das questões centrais do debate foi a necessidade de mobilização da sociedade civil para influenciar as discussões legislativas e defender políticas que respeitem os direitos humanos sobretudo de crianças e adolescentes. Segundo Juliana Acioly, advogada popular e coordenadora de projeto do Cendhec “As Organizações da Sociedade Civil Organizada, Coletivos e Movimentos sociais precisam estar atentos e mobilizados para a defesa irrestrita de crianças e adolescentes em um contexto de conservadorismo político e de atentado aos direitos fundamentais que hoje assola o Congresso Nacional no que chamamos de agenda ideológica. A exemplo do PDC 1002/2003 (Projeto de Decreto Legislativo de Referendo ou Plebiscito), de autoria do ex-deputado Robson Tuma, então do PFL, desengavetado em 2024 pela presidente da Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da Câmara dos Deputados, a deputada bolsonarista Caroline De Toni do PL de Santa Catarina, prevê a convocação de um plebiscito para discutir a redução da maioridade penal de 18 para 16 no Brasil (que aguarda parecer do relator designado pela referida comissão). O PDC é visto como uma estratégia parlamentar da ala conservadora para ultrapassar o debate sobre a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal por ferir cláusulas pétreas previstas na Constituição Federal. Dessa forma, ainda mais necessário que o debate sobre os malefícios da redução da maioridade penal alcance os territórios, levando para a população a discussão sobre o encarceramento e suas consequências para adolescentes negros e periféricos do país, que mascara na realidade uma luta de classes, exercida através de uma vingança pública que tem alvo certo”, alerta.

Na parte da tarde, uma roda de diálogo organizada pelo UNICEF explorou o impacto da violência armada na vida de crianças e adolescentes em centros urbanos brasileiros. O painel destacou as graves consequências da exposição à violência, incluindo traumas duradouros e desafios no desenvolvimento infantil.

O Unicef apresentou os dados referentes ao “Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil 2021-2023”. O relatório, produzido em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que 13.829 (91,6%) das vítimas letais de Mortes Violentas Intencionais (MVI) tem entre 15 e 19 anos. 90% são meninos e 82,9%, negros. O perfil majoritário de vítimas letais no Brasil, portanto, continua sendo adolescente, masculino e negro.

O UNICEF destacou ainda a necessidade de políticas públicas que integrem a proteção infantil e a prevenção da violência, enfatizando a importância de estratégias comunitárias e educativas.

Segundo dia: Justiça e Direitos Humanos

Foto: Divulgação

O segundo dia abordou a interseção entre segurança pública e direitos humanos. Foram discutidos temas como o impacto das políticas de segurança nas comunidades vulneráveis e a necessidade de reformas no sistema de justiça criminal. Houve sessões focadas em práticas de policiamento comunitário e estratégias para reduzir abusos e violência policial. O dia também incluiu workshops sobre como promover a inclusão e a equidade no sistema de justiça.

O dia também contou com a presença do Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, que destacou logo no início de sua fala que não existe Direitos Humanos sem Segurança Pública e que ambos não são questões antagônicas. O ministro fez questão de evidenciar que “Segurança Pública sem Direitos Humanos é barbárie. E Direitos Humanos sem Segurança Pública é um moralismo barato. Precisamos unir ambos em um debate e levar isso a nível nacional. Quero pensar os Direitos Humanos como uma tecnologia do cuidado. Criar técnicas para que as pessoas possam se tornar as melhores versões de si mesmas. Saber o que cada um precisa […] e colocar os profissionais de segurança pública como parte desse processo todo”. Outros pontos a destacar durante na participação do ministro:

1. Direitos Humanos e Políticas Públicas

Almeida enfatizou a importância de integrar os direitos humanos nas políticas públicas de segurança, destacando que a proteção dos direitos humanos deve ser uma prioridade nas estratégias de segurança pública e nas reformas do sistema de justiça criminal. O ministro criticou a abordagem punitiva e destacou a necessidade de uma mudança para um modelo mais focado na prevenção e na reabilitação.

2. Reforma do Sistema Penal

Em sua fala o ministro abordou a urgência pela reforma do sistema penal brasileiro para garantir o respeito pleno aos direitos dos indivíduos e promoção da justiça social. Ele ressaltou que as reformas devem incluir medidas para evitar a superlotação dos presídios, além de promover alternativas eficazes para a resolução de conflitos e a reintegração social.

3. Ações Contra a Violência Institucional

O ministro também discutiu a questão da violência institucional e os abusos cometidos por agentes de segurança pública. Almeida fez um apelo para a implementação de mecanismos de controle e transparência mais eficazes, a fim de garantir a responsabilização dos autores de abusos e fortalecer a confiança da população nas instituições de segurança. “Escutar o Ministro Silvio falar que Segurança Pública não é algo antagônico aos Direitos Humanos já deu o tom ao Fórum. É importante que a sociedade tenha clareza que o respeito aos Direitos humanos não afasta o uso da força, mas sim, a necessidade de ser ponderado as circunstâncias, a quem e em qual medida essa força vem sendo empregada“, analisa Manuerla Soler, advogada e coordenadora de projeto do Cendhec.

Sílvio Almeida – Ministro dos Direitos Humanos

Sociedade Civil Organizada

As organizações da sociedade civil trouxeram à tona diversos aspectos relacionados aos direitos humanos e a segurança pública. Durante momento exclusivo com o Secretário Nacional de Segurança Pública, o Sr. Mario Sarrubbo, as entidades trouxeram questões sensíveis e urgentes para serem compartilhadas. Tais como:

1. Defesa dos Direitos dos Grupos Vulneráveis

Diversas organizações, entre elas o Cendhec, destacaram a situação de grupos vulnerabilizados, como pessoas em situação de rua, moradoras/res de territórios em disputa, minorias étnicas e jovens em conflito com a lei. Foram apresentadas análises sobre como esses grupos são desproporcionalmente afetados por políticas de segurança e propostas para melhorar a proteção e os direitos desses indivíduos.

2. Desafios na Implementação de Políticas de Direitos Humanos

  As organizações também discutiram com o secretário os desafios enfrentados na implementação de políticas de direitos humanos e apresentaram casos de boas práticas que poderiam servir de modelo para outras regiões. Foi enfatizado o importante trabalho desenvolvido pelas Organizações da Sociedade Civil na promoção dos direitos humanos e na prestação de serviços de apoio às vítimas de violação de direitos. Para Manoel Moraes, advogado e coordenador geral do Cendhec, o momento foi “de partilha de experiências e de expectativa acerca do futuro projeto de criação de constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública. Nós estamos atentos a esse projeto e certamente ele pode representar avanços na perspectiva da garantia dos direitos humanos nesse lugar que nós chamamos de segurança pública”. Concluiu.

Em painel sobre enfrentamento à violência de gênero, que teve participação de Natália Fálcon (Gerente de Comunicação para Assuntos de Segurança/Uber) Natalie de Castro Alves (Presidente – Instituto Nós por Elas) Marisa Sanematsu (Diretora de conteúdo/Instituto Patrícia Galvão) Regina Célia Almeida (Co-fundadora e Vice presidente/Instituto Maria da Penha) e Priscila Krause Branco (Vice-Governadora de Pernambuco) foram apresentados dados e sugestões de modelos de prevenção. Na ocasião Juliana Accioly cobrou da gestão governamental a retomada dos plantões da DPCA Recife. “Não há como construir políticas públicas para o enfrentamento à violência de gênero sem considerar o recorte de idade. O relatório produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil) constata que no período de 2021 a 2023, o Brasil teve 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes até 19 anos, sendo que o sexo feminino responde por 87,3% dos registros e em 48,3% das ocorrências a vítima tem entre 10 e 14 anos. A ausência de plantões da Delegacia de Polícia Especializada de Crianças e Adolescentes – DPCA no Recife ( após 17h dias uteis e aos finais de semana) reflete a ineficiência da atuação do sistema de segurança pública e defesa social no que concerne ao enfrentamento à violência sexual de crianças e adolescentes”, destacou Accioly.

Dia 3: Estratégias de Prevenção e Inclusão Social

O terceiro dia do 18º Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi marcado por questões interligadas à segurança pública, justiça climática e desenvolvimento comunitário. Entre os principais painéis houve destaque para temas críticos que impactam a segurança e o bem-estar das comunidades brasileiras.

1. Conflitos Fundiários e Violência

O painel discutiu como a disputa por terras e recursos naturais frequentemente resulta em violência. Conflitos fundiários, muitas vezes relacionados à expansão agrícola, mineração e grilagem de terras, têm levado a conflitos violentos entre grupos locais, comunidades tradicionais e empresas. Os participantes destacaram casos específicos de violência contra líderes comunitários e defensores dos direitos humanos em áreas de disputa fundiária.

A violência resultante dos conflitos fundiários tem consequências para as comunidades afetadas, incluindo deslocamento forçado, perda de meios de subsistência e violação de direitos humanos. A insegurança gerada por esses tipos de conflitos tem prejudicado a implementação de políticas de segurança pública e a proteção dos direitos das populações vulneráveis.

Também foram apresentadas estratégias para mitigar os conflitos fundiários, como a regularização fundiária, a proteção legal dos direitos territoriais de comunidades tradicionais e a promoção de mecanismos de resolução pacífica de disputas. Também se enfatizou a importância de fortalecer a fiscalização e a aplicação da lei para proteger os defensores dos direitos humanos e prevenir a violência.

2. COP 30 e a Violência como Obstáculo à Justiça Climática

O principal foco de discussão da mesa trouxe como a violência e a insegurança afetam a capacidade das comunidades em lidar com os impactos das mudanças climáticas. Um dos pontos destacados na discussão foi como a violência armada e os conflitos socioambientais podem dificultar os esforços para implementar políticas climáticas minimamente eficazes.

 A violência e a instabilidade social foram identificadas como as principais barreiras para a implementação de medidas de adaptação e mitigação climática. A falta de políticas efetivas de segurança pode impedir a realização de projetos de conservação ambiental, a recuperação de áreas degradadas e a promoção de práticas sustentáveis ligadas aos recortes de raça, gênero e casse social.

Vale lembrar que apesar das mulheres liderarem ações que melhoram a qualidade de vida e protegem o clima, elas ainda são as principais vítimas da emergência climática. Estudos apontam que 59% dos casos de violência de gênero estão ligados a questões ambientais e climáticas. Um exemplo recente foi o que aconteceu na madrugada de 5 de julho deste ano, quando homens encapuzados investiram violentamente contra a ocupação Aliança com Cristo, localizada no bairro do Jiquiá, no Recife, e depredaram toda a horta do sítio agroecológico “Margaridas”. As mulheres da comunidade recebem formação para tornarem-se agricultoras. o local tem sido alvo de disputa territorial.  A Horta Margaridas é fruto de parceria entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de Pernambuco e a ONG FASE.

Participantes da discussão sugeriram a necessidade de incluir a dimensão da segurança e da justiça social nas agendas climáticas, através de ações integradas que abordem tanto a mudança climática quanto a violência, promovendo políticas que considerem as realidades locais e incentivem a cooperação entre governos, Organizações da Sociedade Civil e comunidades para garantir justiça e equidade social.

3. Desafios em Territórios Impactados pelo Tráfico

O painel discutiu como o tráfico de drogas influencia a segurança e o desenvolvimento comunitário. As comunidades afetadas frequentemente enfrentam altos níveis de violência, instabilidade e falta de infraestrutura básica, o que compromete os esforços de desenvolvimento e segurança pública.

Parcerias e Soluções Integradas: Durante o encontro foi discutido a importância da criação de soluções integradas que abordem de forma transversal a segurança e desenvolvimento social. A criação de redes de apoio comunitário e a implementação de políticas públicas que promovam a segurança e o bem viver foram apresentadas como ponto chave para a construção de comunidades resilientes.

Apesar das discussões do terceiro dia ressaltarem a necessidade de abordagens integradas e multidisciplinares para enfrentar desafios complexos no que se refere à segurança, justiça e moradia, especialmente às áreas ligadas ao desenvolvimento sustentável em contextos de violência e instabilidade, algumas questões passaram ao largo dos debates. “Senti a ausência de debates sobre segurança cidadã e direito à cidade, além da ausência de reflexão sobre o uso desproporcional da força policial em questões de despejo. Outro ponto importante que senti falta foi uma reflexão mais profunda sobre a juventude como grupo alvo da violência estatal e não estatal nas cidades. O direito à moradia adequada através dos programas governamentais tem sido desafiado pelas organizações criminosas, que têm colocado as moradoras e moradores beneficiados, principalmente, pelo Minha Casa, Minha Vida para fora de suas residências e essas pessoas ficam sem moradia e sem poder voltar ao programa”, chama a atenção Luis Emmanuel, advogado e coordenador administrativo do Cendhec para temas que precisam de visibilidade e urgência de soluções que priorizem a segurança e proteção das populações vulnerabilizadas.

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