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Em Recife, o direito de crescer é atravessado pela insegurança nas periferias

No dia 13 de julho de 2025, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos. Entre avanços e desafios, o documento acompanha o cenário de proteção das infâncias e adolescências no Brasil. O Estatuto reconhece elas e eles como detentoras/es de direitos e estabelece diretrizes para a garantia do acesso à moradia, educação, saúde e segurança adequadas, e toda dimensão do direito para o pleno desenvolvimento humano.

Em entrevista ao Cendhec, realizada em 2024, Helena Janssen afirmou que o Estatuto da Criança e do Adolescente é o resultado de uma luta integrada e de força da sociedade civil. Educadora social do Movimento Nacional de Meninas e Meninos de Rua (MNMMR), Helena falou sobre o processo histórico de construção e defesa de uma política eficiente voltada para essa população.

Entrevista: Luana Farias e Maria Clara Monteiro

“Nós fizemos campanhas, nós pedimos assinaturas, eu fui nas feiras livres, nos morros, de porta em porta, colocamos banca na porta do metrô, para lutar pelo artigo 227, que é esse a essência que garante a política da criança e do adolescente”

O artigo 227 prevê que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

“Foi um processo revolucionário! Quem já viu menino de rua tá em Brasília fazendo um encontro, falando, dando entrevista?! Esse Encontro foi um marco na transformação da política de criança e adolescente no país”, relembra Helena.

Julho é conhecido como o mês dos estatutos: o da Cidade, instituído em 10 de julho de 2001, e o das Crianças e Adolescentes, de 13 de julho de 1990.

Qual experiência de Cidade tem sido oferecida a meninas e meninos?

“Vislumbro uma cidade onde nossas mães e pais não fiquem apreensivos toda vez que nós saímos pela porta sem saber se iremos voltar bem e em segurança”.

Analu Passos

Analu Passos, 16, é moradora da Comunidade do Bode, no Pina, monitora do Programa Direitos de Crianças e Adolescentes e aluna do curso Libélulas: mulheres protagonistas pela justiça climática, do Programa Direito à Cidade, do Cendhec. 

As palavras da adolescente refletem o desejo por uma cidade em que a mobilidade, o lazer, a apropriação e vivência do lugar sejam possíveis e sem riscos para meninas e meninos; a afirmação traduz o cenário de medo, provocado pela violência, nos territórios e contra os territórios. 

Ao longo de sete anos, o Instituto Fogo Cruzado registrou 800 adolescentes baleados no Grande Recife. Em 2025 os números apontam uma crescente preocupante, ultrapassando, em junho, índices de mortes por violência armada contra essa população.  Segundo o banco de dados abertos sobre a violência armada da América Latina, Fogo Cruzado, neste ano, até o momento, 11 crianças e 69 adolescentes foram baleadas. Só neste mês, foram 15 adolescentes, destes, 13 são vítimas fatais. 

Os dados e notícias semanais acendem um alerta sobre a efetividade da proteção em todos os setores da sociedade e, ainda, a discussão sobre os alvos principais do crime. O contexto das violências traduzem quem são as vítimas mais recorrentes: as infâncias e adolescências negras e pobres. Considerando que as vivências sociais dos corpos estão alinhadas ao espaço, ao território, é fundamental grifar a frequência e a forma em que as balas chegam em bairros periféricos, sendo este trabalho também revelador de um fato sistêmico: o racismo no Brasil. 

Foto: Alcione Ferreira

Como o Cendhec fala sobre violência com crianças e adolescentes? 

Através do Projeto Teia de Proteção, o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social realiza palestras e formações, em escolas públicas e instituições comunitárias, com meninas e meninos. Os encontros abordam a história, num panorama da violência no Brasil, desde o processo de colonização, localizando a raiz das violações atuais. As discussões promovem reflexões e fomentam um diálogo aproximado com a realidade nas periferias. 

O debate sobre abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes também engloba a experiência de Cidade que é proporcionada a elas e a eles. Desse modo, o Projeto também aborda essa temática, posicionando a questão de gênero e de classe, uma vez que as principais vítimas dessas violências são meninas, moradoras de regiões vulnerabilizadas. 

O objetivo das discussões é desenvolver autonomia para identificação do crime, fortalecimento para o pedido de ajuda, conhecimento das formas de denúncia, estratégias para a autoproteção.

A violência e o medo não podem definir um bairro. Desse modo, já estiveram dentre as facilitações do Cendhec, vivências que pautam as potências dos territórios e os trabalhos comunitários, mencionando e disseminando a atuação de instituições locais, além de elaborar dinâmicas que visam a formação da consciência de cada indivíduo como parte do território e do sentido de pertencimento. 

Foto: Luana Farias

O diálogo com escolas e instituições educacionais, órgãos de saúde e de segurança é o reconhecimento de que é fundamental a integração de toda a sociedade para garantir a real proteção de meninas e meninos.

Apesar das ações da sociedade civil, o problema de segurança pública precisa estar no centro do debate nacional. O silenciamento é um convite para a normalização do crime, sendo assim, cobrar o Estado por ações efetivas na proteção de meninas e meninos é um passo indispensável nessa caminhada. 

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