Dia da Consciência Negra: mais que uma data, uma história de resistência, reivindicação e reeducação
20 de novembro, raízes e desdobramentos das lutas do povo negro no Brasil
Texto: Camila Deschamps e Luana Farias
Fotos: Rovena Rosa/Agência Brasil (1); Google Fotos/Reprodução (2); Arquivo Fundação Santillana (3)
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro desde a demarcação oficial da data, por meio da Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, dia do assassinato do líder do histórico Quilombo dos Palmares. A lei, implementada durante a presidência de Dilma Rousseff, se consolidou como marco na história do movimento negro brasileiro e na resistência ao racismo.
A data, conquistada com força e potência frente a uma sociedade construída à base de uma pirâmide de privilégios estruturais para camada social branca, não é comemorada com tamanho empenho. À época, a lei não oficializou o dia 20 de novembro um feriado nacional; cada governo e prefeitura poderiam optar pela implementação. Segundo o jornalista e escritor Laurentino Gomes, em 2018, o dia 20 de novembro foi reconhecido em apenas 1.047 dos 5.561 municípios do Brasil.
Entretanto, o cenário mudou com a promulgação da Lei nº 14.759/2023, proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (PT) e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que propôs a transformação do Dia da Consciência Negra em feriado nacional. Dessa forma, a data foi celebrada pela primeira vez em todos os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal, inferindo 5.570 municípios, em 2024.
Quem foi Zumbi dos Palmares?
Zumbi foi líder do maior quilombo da história em nosso país, o Quilombo dos Palmares, que existiu a partir do século XVI na Serra da Barriga, na antiga Capitania de Pernambuco, território onde hoje se localiza o município de União dos Palmares, Zona da Mata do estado de Alagoas. O refúgio, que chegou a ser formado por 20 mil pessoas, era famoso e inspirou a resistência e fuga à situação de escravidão. Zumbi, nascido em 1655, foi eleito o líder e o presidiu de 1678 a 1695, quando foi assassinado por colonizadores portugueses.
Apesar de sua importância e representatividade na luta contra o racismo, pouco se sabe sobre a vida de Zumbi. O único relato sobre sua infância é do jornalista Décio Freitas (1922-2004), estudioso da escravidão no Brasil. Segundo seus escritos, o representante havia nascido livre no Quilombo dos Palmares, mas capturado aos sete anos e entregue a um padre como escravizado. Na ocasião, foi chamado de Francisco e lhe foi ensinado a falar português e latim. Aos 15 anos, Zumbi teria fugido e retornado a Palmares, tornando-se general e símbolo da resistência ao colonialismo português. Contudo, não existem evidências comprobatórias da teoria do jornalista.
Malês
Para além da efetivação de uma data para o resgate da Consciência Negra, é imprescindível rememorar os episódios de luta e resistência dos povos africanos no Brasil. Nessa perspectiva, o ano de 2025 marca os 190 anos da Revolta dos Malês, a maior rebelião de escravizados urbanos da história nas Américas. O levante aconteceu na cidade de Salvador, capital da Bahia, em 24 de janeiro de 1835, localidade que serviu de palco a mais de 30 rebeliões de povos africanos escravizados. O termo “Malê” vem de “imalê”, que tem origem iorubá e significa “muçulmano”, palavra que era utilizada para se referir aos africanos de fé islâmica raptados de África, grupo expressivo nos envolvidos na revolta.
No episódio, cerca de 600 africanos mobilizados batalharam por cerca de três horas contra soldados coloniais em um levante organizado e planejado. O movimento tinha como plano o início no centro da cidade soteropolitana e a expansão para os grandes engenhos baianos, e contava, inclusive, com fundos para a articulação do levante, segundo o historiador e pesquisador João José dos Reis em seu livro Rebelião Escrava no Brasil: a História do Levante dos Malês (1835), publicado em 1986. Aproximadamente 70 revoltosos foram mortos e mais de 200 foram presos, torturados e condenados à morte.
Atualmente, a Revolta dos Malês é recordada em diversos estudos e âmbitos culturais, como filmes, livros, obras de arte e até blocos carnavalescos. A exemplo disso, destaca-se o filme “Malês” (2024), do diretor e ator Antônio Pitanga. Natural de Salvador, o fio do cineasta transporta o espectador a 1835 e revela como era a vida dos homens e mulheres escravizados na Bahia do século XIX, bem como a resistência dos povos frente às violências do modelo escravocrata e a articulação para o levante.

Democratizar a história, permitir o acesso à identidade
Além de Zumbi, Dandara, Ganga Zumba e tantas/os outras/os homens e mulheres, lideranças, símbolos e inspiração para além da época. Histórias como a deles compõem a identidade do Brasil, são bases importantes na construção cultural de regiões do país. Apesar disso, o acesso e conhecimento às próprias raízes ainda é um direito precarizado, reflexo de centenas de anos de tentativa de apagamento da vida e resistência negra no território.
Na contramão desse padrão de silenciamento que negligencia a consciência da própria identidade, a Lei n°10.639/2003 tenciona democratizar o saber, tornar a história acessível, narrar as vivências, práticas e culturas afrobrasileiras por outras perspectivas. Além disso, alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e inseriu o dia 20 de novembro como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no calendário escolar. A decisão, demarcada em 2003, obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, buscando na educação caminho para o fim do racismo no país. Nessa mesma direção, em março de 2008, a Lei nº 11.645 incluiu a temática indígena no ensino.
A aplicabilidade das normativas, no entanto, encontra barreiras sistêmicas, e constrói uma lacuna com a ausência do estudo, de maneira obrigatória, nas universidades. Segundo estudo divulgado pelo Geledés Instituto da Mulher Negra, em 2023, 71% das Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação para implementar a diretriz. Intitulada “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, a pesquisa aponta que 29% das secretarias realizam ações consistentes para garantir o acesso.
A definição resultou de discussões que reivindicavam uma educação antirracista e tiveram a contribuição de nomes como Iolanda de Oliveira e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. As professoras foram significativas para a reformulação na maneira que a história é contada no âmbito escolar e na influência no desenvolvimento de crianças e adolescentes, apropriados de sua identidade. Com uma trajetória voltada para as africanidades, educação antirracista, multiculturalismo e cidadania, Iolanda e Petronilha levantam debates e pesquisas que contemplam e valorizam as expressões afro-brasileiras.

“Todos os brasileiros têm que conhecer a história dos africanos que foram escravizados, a história de seus descendentes, a história dos povos indígenas e a história de todos os povos que vêm a constituir a nação brasileira”.
– Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Categorias
Posts recentes
Tags
AJUDE-NOS
Faça parte deste projeto doando