A insistente invisibilização de violências escancaradas contra a mulher
O dia 25 de outubro relembra: enquanto as raízes não são tratadas os crimes persistem

Segundo o Relatório Global de 2024 sobre Tráfico de Pessoas, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), houve um aumento de 25% no número de vítimas de tráfico detectadas globalmente em 2022, em comparação com 2019. Mulheres e meninas continuam representando a maioria das vítimas, com 61%, em 2022. Além disso, entre as meninas vítimas, 60% continuam sendo traficadas para fins de exploração sexual.
No Brasil, segundo o artigo 149-A do Código Penal, o tráfico de pessoas consiste no ato de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher uma pessoa mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de remover seus órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; promovê-la para adoção ilegal; ou explorá-la sexualmente.
Os dados acima revelam realidades que vão além do cenário do crime: as mulheres são alvos desde a infância. A presença de meninas e mulheres como principais vítimas de violências que envolvem a relação de poder sobre corpos e vida abrange desigualdades históricas e, frente à isso, lutas significativas em todo o mundo.
25 de outubro: Marco de mobilização social
Resultado do avanço de movimentos e gritos por igualdade de gênero e pelo fim de violências, sobretudo a partir da década de 1990, o Dia Internacional contra a Exploração da Mulher, em 25 de outubro, convoca à conscientização e denúncia das múltiplas explorações contra essa população.
A data faz menção principalmente a ações de enfrentamento à violência e à exploração sexual. Foi só em 1993 que tais crimes contra a mulher foram considerados violações de direitos humanos, na Conferência Mundial em Viena. A crescente internacionalização da agenda dos direitos delas, no final do século passado, reverberou na mudança de tratamento legal e político sobre o tema.
Um destaque do ativismo feminista daquela década foi a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim (Beijing), em 1995. A ação resultou na identificação de 12 áreas críticas e apontou a violência de gênero e a desigualdade econômica, entre as principais, englobando a exploração no trabalho e formas de abuso.
Foi também nesse período que as lutas tipificadas ganharam força, auxiliando na identificação dos casos por parte das vítimas e/ou das testemunhas. A mudança trouxe visibilidade para o enfrentamento ao tráfico de mulheres, demarcado no dia 23 de setembro, e à violência doméstica e de gênero, no dia 25 de novembro, esta adotada por movimentos feministas latino-americanos desde 1981.
Faces da violência
Apesar das demarcações, da construção de políticas e dos avanços nas lutas sociais pela garantia dos direitos das mulheres, os índices de exploração e violência contra essa população no Brasil e no mundo têm números sólidos e expressivos e segue como um problema público grave.
Segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero, elaborado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, no primeiro semestres de 2025 foram registrados 33.999 estupros contra mulheres. Conforme aponta o Atlas da Violência, divulgado neste ano, a letalidade feminina, especialmente daquelas em situação de maior vulnerabilidade, matou quase 4 mil mulheres, em 2023.
Os levantamentos reúnem informações do Sistema Único de Saúde (SUS), do Senado Federal, do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tratar sobre violências contra as mulheres com dados integrados proporciona um panorama mais aproximado da realidade, uma vez que abrange os espaços de denúncia, no entanto, apesar dos números expressivos, a subnotificação é um fator preocupante e indica que os índices podem ser ainda mais altos. Conforme revela a pesquisa do Observatório da Mulher Contra a Violência, 61% das mulheres vítimas de agressões domésticas em 2023 não denunciaram ou procuraram uma delegacia.
Direitos essenciais
A demarcação de datas para enfatizar lutas contra a violência de gênero também chama atenção para a ausência de direitos básicos e essenciais, que agudizam a exposição de pessoas em insegurança social.
As políticas ainda não alcançam a população em maior vulnerabilidade e mais expostas às violações, frente à isso, é fundamental que as diretrizes tratem das raízes dos crimes, assumindo a desigualdade socioeconômica como principal agravante, e reconhecendo as principais demandas de um contingente. Mulheres pobres, que vivenciam a insegurança alimentar ou a fome, desde a infância; enfrentam o trabalho precarizado e a desigualdade salarial; e são, em sua maioria, negras e indígenas.
O cenário que posiciona essas mulheres em contextos violentos é reflexo de estruturas que ainda mantêm a misoginia e o racismo como bases motivadoras e se fortalecem diante das ausências. Enquanto as mazelas centrais não são tratadas, se sustentam e agravam uma narrativa historicamente problemática, uma vez que a exploração e abuso contra essa população e a vulnerabilidade financeira estão intimamente ligadas.
O enfrentamento continua
Ações sociais e políticas públicas de prevenção e reparação de violências são aliadas fundamentais no embate contra desigualdades e violações sistêmicas. Junto à isso, fortalecê-las, promovendo a informação, o acolhimento e o estímulo à denúncia também são passos essenciais rumo a transformação do cenário, reforçando o compromisso com a autonomia e liberdade feminina.
A Central de Atendimento à Mulher (180) e a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher são serviços de utilidade pública para o enfrentamento e a denúncia deve ser incentivada.
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