Marco temporal: uma ameaça aos direitos de povos originários e ao meio ambiente
Com a votação do Marco Temporal, que defende que os povos indígenas só podem reivindicar direitos pelas terras onde já viviam quando a Constituição Federal entrou em vigor, em 5 de outubro de 1988, os poderes Legislativo e Executivo podem aprofundar violações de direitos humanos e afastar, ainda mais, a memória e ancestralidade de gerações que já ocupavam este solo antes mesmo dele se chamar Brasil.
O PL 490/2007, de iniciativa do ex-deputado Homero Pereira (PR), está sendo analisado no Supremo Tribunal Federal (STF). Se aprovada, a tese fortalece uma política de esquecimento que ignora todo processo da luta por direitos dos povos indígenas, como também o aumento do desmatamento e violência. Segundo os dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a aprovação da lei representa a perda de 63% das terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação.
O julgamento, que entrou em pauta na quarta-feira (7), foi adiado, pela sexta vez, pelo ministro André Mendonça, que pediu vista do processo. A autoridade tem agora até 90 dias para devolver o processo para julgamento. Atualmente, o Marco Temporal tem três votos proferidos: dois contra (ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes), e um a favor à tese (ministro Nunes Marques).
“A questão do Marco Temporal estabelece um entendimento completamente diferente do que a Constituição Federal criou em 1988. Desde a assembleia constituinte, o que foi buscado pelos povos indígenas era justamente o reconhecimento das terras tradicionais e ancestrais, aquelas historicamente ocupadas por povos originários. Há a questão da ancestralidade, por isso é tão importante hoje, no processo de demarcação, o relatório antropológico, que pode fazer esse resgate histórico de ocupação de povos indígenas em determinada área do território brasileiro” comenta, Luis Emmanuel, coordenador do Programa Direito à Cidade do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social.
Para Iara Campos, produtora cultural, artista e atuante na Associação Indígena em Contexto Urbano (Assicuka), este é um tema que não pode ser visto com distanciamento. “A sociedade brasileira ainda não entendeu que essa pauta não trata apenas dos povos indígenas, ela trata do nosso futuro e existência aqui na terra. A partir do momento que a gente abre espaços para exploração dos nossos territórios, que há muitos séculos são cuidados e preservados por esses povos, estamos assinando nossa carta de desaparecimento. Os povos indígenas são os primeiros a sofrer com o impacto dessa PL, mas isso não vai demorar a resvalar em toda a sociedade”, comenta.
“Essa PL é inconstitucional, porque ela só reconhece aqueles territórios que estavam ocupados a partir de 1988, a gente sabe que a luta e a história de povos indígenas não começa na promulgação da constituição de 88. Ela é inconstitucional porque ela vai de encontro a própria constituição. A constituição diz que os indígenas eram reconhecidos nos seus costumes, nas suas organizações sociais, na sua língua, crença e que eles têm direito sobre as terras que ocupam, e que cabe à união demarcar esses territórios, proteger e respeitar”, explica Iara, que também integra o Movimento de Retomada da Mata Sul de Pernambuco.
Além dos impactos diretos aos indígenas, a tese ainda significa retrocessos para o Meio Ambiente. De acordo com estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a estimativa é que entre 23 milhões e 55 milhões de hectares de áreas nativas sejam desmatados, com risco de desaparecer, resultando na emissão de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de CO2 (gás carbônico). Estes números são equivalentes a 5 e 14 anos de emissões do Brasil, ou a 90 e 200 anos de emissões dos processos industriais, respectivamente.
O PL aprovado permite, ainda, plantar e cultivar transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas; proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas; exige adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras. “Estamos lidando com o grande mercado brasileiro, o mercado ruralista, o mercado das mineradoras, que são os grandes detentores do poder econômico e do funcionamento de grande parte da política brasileira. Isso retrata a votação da PL na Câmara dos Deputados, a votação foi esmagadoramente a favor. A gente tem na Câmara o reflexo de como é a política brasileira”, acrescenta Iara.
O movimento indígena segue se articulando em prol dos direitos humanos, na preservação cultural e física de povos indígenas e contra a exploração. A luta tem chamado atenção também da comunidade internacional. A mobilização acontece por meio de um abaixo-assinado, que já conta com quase 200 mil assinaturas. “O referido projeto de lei é uma sentença de morte para os povos indígenas do Brasil e constitui um ataque deliberado à integridade territorial, física e cultural dos habitantes originais de seu País, incluindo seu ambiente e recursos naturais, em nome do ‘progresso’”, diz trecho de manifesto, que pode ser assinado na plataforma Change.org.
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