Direito ao lazer para o fortalecimento de mulheres marca culminância do segundo módulo da Formação “Libélulas”
As alunas da Formação Política do Cendhec são moradoras de comunidades do Ibura de Baixo e da Comunidade do Bode, no Pina, e reconhecem maior protagonismo com os encontros
Lazer e autocuidado marcaram o dia 29 de novembro, na culminância do segundo módulo do curso “Libélulas: mulheres protagonistas pela justiça climática”. O encontro reuniu alunas das duas turmas, moradoras do Ibura de Baixo e do bairro do Pina, no Centro de Formação e Lazer/Sindsprev (CFC), localizado na Guabiraba, Zona Norte do Recife.
A equipe do Cendhec acompanhou as Libélulas, promovendo as atividades. Estiveram na ocasião Lorena Melo e Cristinalva Lemos, assistentes sociais, e Nathalya Kelly, estagiária de serviço social, do Programa Direito à Cidade (DC), além de Cláudia Barros, psicóloga do Programa Direitos de Crianças e Adolescentes (DCA), Luana Farias, jornalista do Centro, e Alcione Ferreira, fotógrafa convidada pela organização.
O dia foi dedicado ao autocuidado, temática apresentada e debatida desde o início da Formação.
Em contextos de opressão que se desenvolve nos territórios vulneráveis, a vida cotidiana e o sistema tendem a desvalorizar e esgotar os corpos e as vidas das mulheres, deixando-as muitas vezes exaustas e em processo de adoecimentos físico e mental. O autocuidado individual e coletivo é fundamental para prevenir o adoecimento, a exaustão e o abandono da luta. Por isso entendemos que o autocuidado é político.
Cristinalva Lemos, Assistente Social do Cendhec

A culminância contou com exercícios de interação, sessão de fotos e tempo livre para conhecer e usufruir dos espaços do Clube. As dinâmicas de chegança foram realizadas pela psicóloga Cláudia Barros, após as falas de Manoel Moraes, coordenador geral, e Luis Emmanuel coordenador do DC.
A psicóloga explica que a proposição das dinâmicas teve como objetivo criar um momento de integração e fortalecimento da autoestima, pensando na importância de contribuir para uma visão de bem-estar.
As propostas desenvolvidas por ela conectou as alunas com práticas que incluíram a apresentação realizada em duplas, em que as alunas partilhavam para o grupo informações sobre a outra pessoa, estimulando a escuta atenta e sensível, visando o reconhecimento do coletivo. A segunda atividade foi a “teia do elogio”, ou “da amizade”, como elas nomearam; nesta proposta, utilizando um fio extenso, as mulheres escolhiam uma amiga do curso para dedicar palavras afirmativas de admiração e agradecimento, enquanto compartilhavam o novelo de linha, que as ligavam, formando uma grande teia.


Ainda pela manhã as mulheres aproveitaram os espaços do clube e participaram de uma sessão de fotos realizada pela fotógrafa e jornalista Alcione Ferreira. Para o momento, a equipe do Cendhec organizou uma instalação improvisada com tecido e disponibilizou tecidos e acessórios, que foram utilizados pelas mulheres como adornos de cabeça, saias e mantas.
Nesse dia eu me senti uma criança, me senti no auge dos meus 17 anos, onde eu pude brincar, onde eu pude conversar com pessoas, com mulheres, tirar dúvidas. Para mim foi maravilhoso, eu me senti uma outra pessoa.
Tammires Freitas, 33, aluna da Formação Libélulas (Pina)
Com fotos em grupo e individuais, o momento fomentou a elevação da autoestima e valorização das identidades, além de viabilizar um momento de interação e fortalecimento mútuo entre elas.
Foi ótimo participar da sessão de fotos, no momento de lazer. O sábado foi mágico, para muitas mulheres que estavam ali foi um dia maravilhoso, que desopilou a mente, colocou a gente para sair da rotina, para gente se comunicar, para gente se divertir, para gente ter um dia só nosso.
Jéssica Vitória, 19, aluna da Formação Libélulas (Pina)
Conforme Cláudia enfatiza, com as Libélulas, “percebe-se o movimento de mulheres que acreditam no potencial da união entre elas, uma união que proporciona ajuda, apoio e suporte que constroem elos forte e firmes e que influencia de forma cuidadosa no crescimento de ser mulher, com respeito e admiração”.

Autocuidado é ato político
Do curso composto por mulheres e jovens, as alunas são, em sua maioria, mães, donas de casa, marisqueiras ou trabalhadoras domésticas, que conhecem, em suma, apenas uma das faces do cuidado. Nesse sentido, vivenciar cenários em que são cuidadas é, ainda, pouco frequente. No entanto, a partir dos encontros com a Formação Política, redes sólidas de afeto e suporte foram construídas entre elas.
Lorena Melo frisa que “falar sobre desigualdade de gênero, divisão sexual do trabalho e do cuidado como trabalho, reverbera em muitas mulheres o (re)descobrimento do autocuidado como prática que rompe, sobretudo, a sobrecarga do trabalho invisibilizado, que geralmente é doméstico, e do cuidado com outras pessoas e menos de si”.

Defendendo a alegria, a leveza e o direito ao lazer, a Formação Libélulas olha para o fortalecimento delas nos debates sociais e políticos, a partir da elevação da autoestima (sobretudo intelectual e emocional), da criação de apoio e pontes resistentes.
Mulheres que se dedicavam quase que exclusivamente ao lar e à família agora desenvolvem o poder da fala, o posicionamento político e demonstram um despertar para as questões comunitárias que afetam suas vidas. Em especial, elas têm se sensibilizado e se engajado ativamente contra o racismo ambiental a que estão submetidas em seus territórios.
Cristinalva Lemos, Assistente Social do Cendhec

Para Elaine Maria, moradora do Ibura de Baixo, participante do curso, as tranformações são evidentes:
Percebi muitas mudanças positivas na forma como me vejo e me posiciono depois que comecei o curso Libélulas. Passei a me expressar com mais segurança e entendi a importância de cuidar de mim. Hoje eu me sinto mais fortalecida e defendo minhas próprias opiniões com mais firmeza.
Libélulas: o segundo ano
O ano foi marcado por parcerias com a comunidade e com a universidade, que intercalaram a participação em alguns dos encontros no Ibura de Baixo e no Pina. Pesquisadoras e pesquisadores do projeto de extensão do curso de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), TIG Periferia, coordenado pela Profª Drª Cristina Duarte, foram atores importantes ao longo do ano, pautando letramento climático e mapeamento territorial em encontros na Formação. Além deles, Joice Paixão, Cofundadora e Presidente da Associação GRIS Solidário e Coordenadora da Rede Gera, moradora da Vila Arraes, no bairro da Várzea, foi uma voz forte para as Libélulas, partilhando sobre a experiência com o Plano Comunitário de Adaptação Climática.
Jéssica Vitória, 19, é aluna da Formação, moradora do Pina, e realça a importância de aprofundar os conhecimentos sobre Justiça Climática, termo já conhecido, mas que só teve a oportunidade de identificação com a temática a partir das aulas ministradas por Cristinalva e Lorena. “Nós ouvimos falar na televisão, nos jornais, até mesmo no celular durante o dia-a-dia sobre sobre as informações, mas acaba passando despercebido porque nós não sabemos o que significa. Mas aí vem o Libélulas e ajuda a gente a entender o que significa aquilo, então nos capacita a entender sobre o assunto, ensina como é que isso afeta diretamente nossa vida”.
Um dos marcos significativos de 2025 no curso foi a participação política dentro e fora dos territórios. Engajadas nos debates sociais, as Libélulas marcaram presença em manifestações como o Dia das Mulheres, o Dia de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, o Grito dos Excluídos, além do Dia da Consciência Negra. Levando suas vozes, portando cartazes e vestindo a camisa da Formação elas se somaram e enriqueceram as lutas nas ruas.

A nova postura inclui uma significativa mudança de mentalidade. O empoderamento adquirido tem incentivado o desenvolvimento pessoal, levando algumas participantes a voltarem a estudar, impulsionadas pela formação, segundo Cristinalva.
Ela observa que o senso de sororidade se fortaleceu, e elas passaram a defender ativamente os direitos umas das outras, incluindo a maior capacidade e confiança para acessar o sistema de justiça, buscando reparação por danos familiares ou em situações de violência e crimes.
Lorena Melo destaca o envolvimento delas nas reivindicações nas comunidades. “As duas comunidades passam por desafios semelhantes, porém com particularidades entre si. Neste sentido, acompanhá-las no processo de proposição de alternativas que primam por dignidade das/os moradoras/es das comunidades”. A assistente social do Cendhec cita como um dos principais feitos a reunião pública que ocorreu entre as/os moradoras/es impactados pela obra do projeto viário, a URB (Prefeitura do Recife) e a Defensoria Pública de Pernambuco (DPPE), ocorrida no Ibura de Baixo, na qual as participantes do Libélulas contribuíram para a mobilização de aproximadamente 100 pessoas na escola Apolônio Sales.
[O Libélulas] mudou muita coisa porque, até então, eu, particularmente, não sabia que a gente tinha direito a tomar decisões sobre o que inclui ou que deixa de incluir dentro de nossa comunidade. E antes, eu tinha um pensamento de sair do Pina, mas justamente por não entender certas coisas, mas hoje em dia eu já quero mudar a minha comunidade para que possa ser viável para todos aqueles que estão aqui.
Tammires Freitas, 33, aluna da Formação Libélulas (Pina)
Olhar “Um potencial transformador tem se destacado: o senso de coletividade”, Cristinalva enfatiza que a consciência de pertencimento ao território também foi significativamente aguçada e relembra o processo de desenvolvimento do Diagnóstico Comunitário. “A atividade não se limitou a mapear o território; ela resgatou a memória e a história dos bairros, além do diagnóstico, foi realizado um levantamento de dados das comunidades, essenciais para a construção do Plano Comunitário de Adaptação Climática, que está sendo elaborado em conjunto com elas e com o TIG Periferia, do Departamento de Geografia da UFPE”.
A ementa de aulas do segundo módulo foi composta por encontros que apresentaram motes como: Direito à cidade; letramento climático; mapeamento participativo: validação e contribuições das principais demandas da comunidade; treinamento com a plataforma Survey e organização da aplicação, com teste na rua; orientação e acompanhamento do Plano Comunitário de Adaptação Climática (PCAC); encontro formativo com base nas informações coletadas com o uso do formulário Survey123/ARCGis; justiça climática e políticas públicas; a violência contra mulher e formas de proteção.
Sobre a Formação Política

“Libélulas: mulheres protagonistas pela justiça climática” é uma formação política oferecida pelo Cendhec, desde 2024, voltada para o enfrentamento às mudanças climáticas. O curso é ministrado para mulheres e jovens moradoras da Comunidade do Bode, no Pina, da Comunidade Paz e Amor, do Sítio Santa Francisca (Comunidade da Linha), do Ibura de Baixo.
“As principais potencialidades expressas nos encontros com certeza versam sobre a consciência de si nas relações pessoais, dentro e fora do âmbito familiar. Atrelado diretamente a isso é a retomada dos projetos de vida de algumas participantes, seja na conclusão do ensino básico, seja na retomada da vida profissional, através de cursos e sonhos com a vida universitária. Este é um efeito que não esperávamos, mas que sem dúvidas é muito gratificante para nós enquanto profissionais e para a instituição”.
Lorena Melo, Assistente Social do Cendhec
O objetivo do curso é dialogar com mulheres e meninas mediante temas que permeiam seu cotidiano, compreendendo os desafios fomentados pelas desigualdades sociais calcadas nas dimensões de gênero, raça, classe, idade e sexualidade no território. Além disso, também tenciona mobilizar jovens e mulheres para participarem de espaços de promoção, controle social e comunitário; e contribuir para as ações de incidência política executadas em suas comunidades para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, racismo ambiental, diminuição da violência baseada em gênero e quaisquer violações dos direitos básicos.
O curso de Formação Política pelo enfrentamento às consequências das mudanças climáticas é apoiado pela entidade alemã Misereor/KZE.
Cristinalva valoriza cada mudança, nova descoberta e processo de ressignificação que identifica na caminhada das alunas, desde o início da formação:
“Percebemos um grande potencial de liderança em uma parcela das mulheres, que têm ressignificado o morar em seus territórios. Entendemos que a transformação não é um processo fácil, mas a pauta climática e comunitária surge como um eixo unificador. O potencial dessas mulheres para mudar a realidade vivenciada é imenso e inspira a continuidade da luta”.
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