Com direitos humanos não se brinca
Manoel Severino Moraes de Almeida¹
“Devemos aceitar a decepção finita, mas nunca perder a esperança infinita”
Dr. Martin Luther King Jr.
Com direitos humanos não se brinca foi a expressão usada por Dom Helder Camara em Antuerpia na Holanda em dezembro 1978, nesta oportunidade, discursava no Encontro Comemorativo do 30º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na ocasião, proferiu várias provocações relacionadas a efetivação dos Direitos Humanos pelos países, de modo especial, as superpotências.
Dom Helder pontuou os riscos de uma sociedade focada nas relações de consumo e do desperdício, afirmando que o modelo imperialista dos países desenvolvidos gera tais sociedades quando se coloca o lucro na frente dos demais valores, desembocando na miséria e na pobreza nos países subdesenvolvidos que, com a exploração de sua matéria prima, alimentam o sistema de consumo capitalista.
Dom Helder também se detém nas empresas multinacionais, segundo ele, as grandes responsáveis pelos problemas de fome e miséria humana. São as multinacionais que se instalam em países do terceiro mundo para sugar suas riquezas naturais e alimentar uma sociedade cada vez mais consumidora. Passados 47 anos, a reflexão de Dom Helder permanece atual, a fome e as desigualdades sociais ainda afetam milhares de pessoas no mundo, e o neoliberalismo associado as big techs, que são as megaempresas em tecnologia, controlam grande parte das mídias e redes sociais do mundo.
Enquanto isso, em Washington DC, na Casa Branca, o presidente dos EUA, Donald Trump no primeiro dia de governo assinou 78 atos dos mais variados temas, como Imigração e Segurança Fronteiriça, Energia e Meio Ambiente, Políticas Sociais e Diversidade, Saúde e Políticas Públicas, Economia e Comércio, Defesa e Relações Internacionais, Justiça e Direitos Civis, Administração Pública.
Entre as medidas polêmicas está a saída dos EUA da OMS (Organização Mundial da Saúde) com menos recursos o órgão terá mais dificuldade de atuar frente a uma outra pandemia como a covid-19.
Diminuirá o ritmo das pesquisas em âmbito global e ameaça o direito sanitário internacional, uma vez que o papel de vigilância contra as pandemias exige participação e esforços comuns e de cooperação em saúde para enfrentar desafios globais de emergências sanitárias.
Trata-se, portanto, de uma vitória do discurso negacionista e de seus efeitos práticos na realidade da sociedade americana, infelizmente a visão ante ciência justificou a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre Mudança Climática e o cancelamento de restrições à perfuração de petróleo e gás em áreas protegidas. Também revogou as normas de emissão de carbono para veículos automotores, bem como a proteções ambientais para áreas de conservação federais, extinção de regulamentos sobre poluição hídrica em áreas industriais e permissão para exploração mineral em áreas indígenas, entre outras medidas nesta área decidiu pelo cancelamento de subsídios para fontes de energia renovável.
As medidas aqui analisadas demonstram que o governo norte americano optou por um isolacionismo internacional que pode afetar sua capacidade de construí alianças internacionais, uma vez que faz ameaças de ocupar territórios de outros países como o Canal do Panamá e a ilha da Groelância que pertence à Dinamarca.
São medidas que vão de encontro a princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que em seu artigo 28, os países se comprometeram a construir os sistemas de cooperação internacionais, como podemos verificar no dispositivo […] toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração.
Em síntese, não podemos falar de efetivar direitos humanos se não construímos legalmente instituições capazes de fazer valer seus fundamentos seja na esfera internacional, como no âmbito interno, como prática que garanta a segurança jurídica dos indivíduos e suas coletividades.
É digno de nota, que o princípio da não intervenção territorial de um estado contra outra nação soberana é também constitutivo do constitucionalismo democrático defendido pelos Estados Unidos em sua história constitucional.
Esta tradição de controle e efetivação dos direitos civis e políticos, foi basilar no comprometimento dos países na criação de Tribunais Internacionais, como forma adequada para resolver conflitos em escala mundial.
A Carta das Nações Unidas (ONU) propõe construir um direito internacional que defende os direitos humanos de adultos ou crianças, e, neste aspecto, o Cendhec – Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, entidade que atua no sistema internacional de direitos humanos em redes e fóruns internacionais, defendeu uma cúpula dos povos permanente, para a interpretação dos direitos das crianças e adolescentes através do sistema de garantias de direitos conforme a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CENDHEC, 1999).
Mas o populismo conservador nos EUA escolheu criminalizar a migração de milhares de latinos-americanos, africanos e asiáticos como uma cortina de fumaça para deportar milhares de pessoas, e criar uma falsa sensação de que o país está superando a crise econômica e social que atravessa.
Destaca-se entre outras medidas, ações que podem atingir a proteção legal dada as famílias que chegam e atravessam as suas fronteiras como clandestinas e para isso, suspendeu os direitos básicos que protegem crianças e adolescentes, afetando a doutrina da proteção integral, nos EUA.
Trump assinou atos que suspendeu programas de diversidade, equidade e inclusão no setor público, isso significa que o governo americano oficialmente passou a admitir apenas o gênero baseada no sexo biológico, negando qualquer outra realidade sexual nãobinária e o cancelamento da proteção de direitos para estudantes LGBTQ+ em escolas públicas, entre outras medidas.
A reação da bispa Mariann Edgar Budde, em sermão na Catedral Anglicana de Washington, pediu que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenha misericórdia de imigrantes e da população LGBTQ, seu apelo ganhou repercussão internacional, lembrando o profetismo de Dom Helder ao alertar, com direitos humanos não se brinca.
Por fim, é fundamental resistir ao protagonismo de uma nova era do terror e da banalidade do mal conforme formulou Hannah Arendt, em seu livro, A Condição Humana, não podemos menosprezar o risco do discurso populista, muito menos retroceder em conquistas internacionais que garantem a civilidade e não a violência estatal.
¹ Coordenador Geral do Cendhec.
Referências:
CENDHEC. Centro Dom Helder de Estudos e Ação Social. Sistema de Garantias de Direitos. Recife, 1999.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Brasil: Forense Universitária. 2016
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