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VOLKSWAGEN Durante o Período da Ditadura Militar

Por Manoel Moraes*

A Ditadura Militar no Brasil durou 21 anos e a abertura para a democracia é classificada como uma transição prolongada, e neste ensaio, apresento os fundamentos do conceito de transição programática que construí na minha tese de doutorado na Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, com o título, Ditadura e Transição Programática: A Tutela Multinível e a Judicialização dos Crimes da Ditadura, publicada pelo Núcleo Interamericano de Direitos Humanos.  

O conceito de Justiça de Transição Programática se fundamentou no reconhecimento que as os tratados de direitos humanos foram ratificados pelo brasil e recepcionados como garantias fundamentais pela Constituição de 1988, e assegurou entre seus princípios, os chamados direitos transicionais e a defesa da ordem jurídica democrática, que necessitam de políticas públicas para sua efetivação.

Para melhor sedimentar o conceito de justiça de transição é preciso conhecer os quatro pilares para a não repetição, o primeiro é a reconciliação, através da reparação das vítimas e seus familiares, uma segunda preocupação faz surgir a preservação da memória, através de mecanismos administrativos como Comissões da Verdade, que apontam a necessidade de recomendar a reforma das instituições, transformações legais e constitucionais que garantam em sintonia com as demais medidas a responsabilização dos agentes que por ventura tenham praticado crimes de lesa humanidade.

Uma das primeiras obras a apresentar a participação empresarial na sustentação do governo militar no Brasil, foi do autor René Armand Dreifuss (1981), no seu livro 1964: a conquista do Estado, a ação política, o poder e o golpe de classe: o golpe como movimento civil-militar, ou seja, como uma construção empresarial (com apoio de multinacionais) e dos militares, cujos impactos ainda são sentidos na ausência da responsabilização dos ex-agentes do Estado que praticaram crimes contra a população civil.

Dreifuss apresenta uma abordagem que até as pesquisas mais recentes não conseguem superar, ao revelar os bastidores do financiamento do golpe e do governo dos militares. Demonstra em seu livro, como participação do setor produtivo no regime autoritário está associado ao financiamento do aparato repressor, causador de torturas, assassinados e vários crimes praticados pelos agentes do Estado ou pelos braços armados clandestinos do regime, é neste ambiente que a colaboração da Volkswagem foi além de simples apoio político, mas passou a operar em suas fábricas verdadeiras estruturas de tortura. Os documentos revelados na atuação do Grupo de Trabalho 13, da Comissão Nacional da Verdade, sobre a repressão contra a organização sindical dos trabalhadores é prova disso.

A Volkswagen não só colaborou como disponibilizou de equipamentos, funcionários e recursos. O apoio ao golpe tinha uma fundamentação baseada nas múltiplas e complexas relações entre o aparato estatal e a ideologia populista que dominava os líderes militares e civis. O Departamento de Segurança Industrial da Volkswagen cooperava com o Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS) em um regime de tutela e conivência com o regime militar.

As fábricas eram permanentemente monitoradas pelo DEOPS, que recebiam dos executivos das empresas fichários e dossiês sobre os grupos clandestinos que se organizavam na resistência ao regime. O movimento sindical era considerado uma ameaça, e para reprimir o sindicalismo a empresa enviou centenas de boletins para os agentes da polícia política como forma de alimentar um banco dados dos chamados “subversivos” contra o regime. Entre os dias 28 de julho e 8 de agosto de 1972, a polícia prendeu seis trabalhadores da Volkswagen: Amauri Danhone, Annemarie Buschel, Antonio Torini, Geraldo Castro delPozzo, Henrich Plagge e Lucio Antonio Bellentani.

Os relatos de tortura e maus tratos são a tônica dos sobreviventes como no caso de Bellentani, mas representam uma forma de repressão aos trabalhadores que questionavam o regine e lutavam pela redemocratização do país.

O legado da Comissão Nacional da Verdade, das Comissões da Verdade dos Estados, Municipais e setoriais é a possibilidade de identificar uma série de redes e interesses que associados aos militares garantiram a longevidade da ditadura no Brasil. São aspectos estruturais que precisam ser estudados à luz das novas fontes esta cooperação é cada vez mais comprovada.

É por este motivo que se faz necessário políticas públicas de memória para a efetivação do educar para o nunca mais, a publicação do relatório final das comissões e os relatos sobre os mortos e desaparecidos e a luta dos seus familiares representam a força da resistência democrática em se insurgir contra um sistema tirano e cruel.

É fundamental a atuação da sociedade civil no surgimento do primeiro termo de ajuste de conduta envolvendo uma empresa multinacional e suas vítimas através da busca por uma justiça reparadora como foi o caso do Intercâmbio, Investigações, Estudos e Pesquisas (IIEP), instituição que vem crescendo em função do seu trabalho de divulgação dos acervos e informações sobre a ditadura civil-militar.

É fundamental ressaltar o trabalho diário de Sebastião Neto, Adriano Diogo, Adriana Gomes Santos, Antonio Fernandes Neto, Rosa Cardoso, entre outros que atuam no fortalecimento e esclarecimento dos fatos que representaram um acordo que rendeu milhões em reparações.   

Texto publicado originalmente na revista BrasilienNachrichten. Leia a edição completa abaixo:

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