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‘Máquina de moer história’, Lei do Marco Temporal é genocídio autorizado

A Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/23) estabelece que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar apenas a área ocupada pelos povos originários até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. As etnias que tivessem fora da área nessa data e as que tivessem chegado depois passam a não ter direito à demarcação.

A proposta foi aprovada pelo Senado em setembro de 2023 e em outubro foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com vetos que consideram inconstitucional a tese do marco temporal das terras indígenas, destaque da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em janeiro deste ano o veto foi derrubado pelo Congresso.

No último dia 29, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou com um novo pedido para que os efeitos da Lei 14.701/23 sejam suspensos até que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7582, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), seja julgada.

Reflexos da Lei do Genocídio Indígena

Em posicionamento para o site da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), Marcos Sabaru, assessor político do movimento, traduz o verdadeiro significado da demarcação temporal de terras indígenas e suas contradições. Conforme explica, o Marco Temporal “também inverte a lógica: quem não estava passa a estar, e quem estava passa a ser invasor […] transforma o bandido em mocinho e transforma o originário em um ser perverso que ocupou e invadiu a terra de outras pessoas”.

Retrato da pontuação do assessor, os últimos ataques sofridos em janeiro deste ano pelo povo Pataxó Hãhãhãe, do sul da Bahia, que vitimou a liderança Nega Pataxó Hãhãhãe, estiveram apoiados pelo discurso que inverte os papéis de invasor e invadido. Os ataques tiveram autoria do grupo de milicianos ruralistas autointitulados “Invasão zero” que representa e é integrado por proprietários rurais visando a “proteção de propriedades”. O grupo que também atua em outros estados do país trata, equivocadamente, os originários como invasores.

“O marco temporal é isso, ele é temporal mesmo, essa máquina volta no tempo, reverte o tempo, troca as pessoas de tempo, coloca as pessoas em tempo diferente, apaga a memória e muda a história.”

– Marcos Sabaru, assessor político da Apib.

As ofensivas cada vez mais violentas enfrentadas nos últimos meses pelos povos Hã-Hã-Hãe, na Bahia, Avá-Guarani, no Paraná, e na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, são uma mostra dos impactos da Lei do Genocídio Indígena em prática. Campo aberto para ataques, investidas de apagamento de culturas, conhecimentos e tecnologias de povos indígenas, a lei legaliza e acentua inseguranças e atentados contra a vida de povos originários de todo o país. É uma licença para a morte.

Segundo aponta o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil” do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foi registrado um aumento de 54% de assassinatos de pessoas indígenas durante o governo anti-indígena de Jair Bolsonaro. A pesquisa revela que Roraima, onde está localizada parte da Terra Indígena Yanomami, foi o estado com o maior número de crimes.

O conhecido exemplo da Terra Indígena Yanomami, em estado de emergência desde janeiro de 2023, é consequência da atuação do garimpo ilegal impactando saúde, alimentação e promovendo calamidade ambiental no território. Mesmo após a operação mobilizada pelo governo Lula, em 2023, com as Forças Armadas atuando na expulsão de garimpeiros, atendimento médico e doação de alimentos, o quadro, que registrou uma melhora, voltou a ser ameaçado pelo garimpo desde a metade do último ano. 

A Hutukara Associação Yanomami (HAY), principal entidade representativa do povo Yanomami e sediada em Boa Vista (RR), divulgou em nota técnica que a área impactada pelo garimpo dentro do território cresceu 7% no ano de 2023, com um total de 5,4 mil hectares. “É um crescimento menor do que o registrado nos anos anteriores, que foi de 54% entre 2021 e 2022. Porém, este incremento [de 7%] revela também que a atividade ilegal continua operando com intensidade no território”.

Em janeiro deste ano, após reavaliação do cenário, em diálogo com ministérios e governo da República, ficou determinada a presença das forças armadas e da polícia federal de forma permanente na região e na casa civil, como forma de reprimir a atuação de garimpeiros.

A luta indígena é pela terra, pela vida e pela história. 7 de fevereiro marca o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas com o intuito de demarcar e visibilizar as urgências e resistências das populações originárias. “Além de nocivo, o marco temporal tira a gente da história”, denuncia Sabaru. Resistir contra o Marco Temporal – Lei de Genocídio Indígena – é defender a vida e a continuidade digna e plena de povos originários.

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