A memória é instrumento de fortalecimento da democracia no Brasil
Em 8 de Janeiro de 2023, o atentado terrorista à Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), era uma tentativa planejada de golpe de estado em recusa ao resultado das eleições do ano anterior. Em 2024, a população defensora da democracia utilizou a data para assinalar: não esquecer para jamais reviver.
Em articulação nas ruas e nas redes, na última segunda-feira (08), movimentações sociais do Brasil demarcaram a força da luta pela proteção do estado democrático de direito. No Recife, o monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, foi o ponto de concentração dos defensores. Mobilizados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT/PE), dentre os presentes estavam integrantes e representantes de organizações da sociedade civil, sindicatos, movimentos estudantis e poder judiciário.
As mobilizações foram um grito de repúdio aos atentados contra o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, arquitetados e financiados com o intuito de depor o governo eleito, recém empossado, e fechar o STF. O ato pela democracia relembrou que a barbárie, promovida pela extrema direita com uma narrativa de “restauração da ordem”, foi a concretização da propagação do discurso violento e fascista impulsionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, durante todo o mandato.
“O Brasil é um país marcado por avanços e desafios em sua trajetória democrática”, observa Ana Brito, associada do Cendhec e representante de Pernambuco no Colegiado Nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD). A democracia é um princípio fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária e, conforme Brito avalia, “a ascensão da extrema-direita nos últimos anos foi calcada num processo político antidemocrático de rejeição aos mecanismos de participação popular, e resultaram na tentativa de golpe em janeiro do ano passado”.
Bolsonaro reacendeu no Brasil uma narrativa orgulhosamente violenta que havia enfraquecido desde a redemocratização, em 1985.
Reflexos de golpes
Manoel Moraes, coordenador geral do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, relembrou em discurso durante a mobilização pela democracia que em 2024 o golpe militar completa 60 anos: “O Ato também foi uma denúncia à ditadura de 1964 a 1985 e aos anos de repressão e tortura, atentados à liberdade e à vida no Brasil”.
Nesse sentido, também foi rememorado o 8 de janeiro de 1973. Este mesmo dia, há 51 anos, marca o chamado “Massacre da Granja de São Bento”, com a morte de seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Pauline Reichstul, Soledad Barrett, Jarbas Pereira Marques, Eudaldo Gomes, José Manoel da Silva e Evaldo Luz foram as vítimas fatais.
Os discursos de Bolsonaro de exaltação a figuras que representaram o mais terrível da repressão e violência na ditadura militar foram influenciadores na tentativa de golpe. Manoel Moraes aponta que, além disso, “a impunidade no exército, a impunidade nas Forças Armadas, condicionou um golpismo no país novamente”. E enfatiza: “Não podemos deixar de associar, uma vez que nenhum militar no Brasil foi condenado pelo golpe de 1964”.
O Ato Nacional pela Democracia ecoava as palavras: Sem anistia para golpistas!
Segundo levantamento realizado pelo Brasil de Fato junto a órgãos oficiais e especialistas, não há registro de condenação significativa de militares que deveriam ter protegido o patrimônio público ou que participaram dos atos contra à Praça dos Três Poderes.
Conforme aponta levantamento de dados do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações do atentado, dos mais de 2 mil civis detidos durante a invasão, 66 investigados continuam presos pela incitação, financiamento e execução dos atos. Até o momento, 25 réus foram condenados pelo Supremo. Em torno de 1,1 mil investigados não serão denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com direito ao acordo de não persecução penal. A medida é válida para quem foi preso em frente ao quartel-general do Exército, no dia seguinte aos atos, e não será aplicada para quem participou da invasão e depredação das sedes.
Em outubro do ano passado, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) propôs um projeto de lei que prevê anistia aos acusados e condenados por crimes relacionados aos atos golpistas, exceto nos casos dos crimes de dano qualificado, deterioração de patrimônio e associação criminosa. No último dia 15 de dezembro, a proposta, que está na Comissão de Defesa da Democracia da Casa, foi encaminhada para o senador Humberto Costa (PT-PE), que vai analisar a proposta e apresentar um relatório para a comissão.
Em discurso, Manoel Moraes assinala: “Nós defendemos a não anistia! Sem anistia para quem invadiu e depredou o patrimônio público, sem anistia para quem atentou contra a democracia”
“Nos posicionamos firmemente contra todos os atos terroristas que atacam o nosso estado democrático de direito, instituições e os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras”, afirma a vice-presidente do Sintepe, Cíntia Sales. Segundo ela, é indispensável também discutir a democracia que deseja-se alcançar e debater os rastros do bolsonarismo e da extrema direita no país.
A memória é forte aliada na proteção do estado democrático de direito e na reconstrução da democracia. Relembrar os indícios dos ataques, refletindo sobre as raízes e os efeitos dos golpes na história do país é uma manifestação da resistência e poder de articulação de movimentos sociais no Brasil. Conforme salienta Cíntia Sales:
“Rememorar o 8 de janeiro, discuti-lo, trazê-lo à tona, é importante pra que a gente não esqueça. A gente não pode esquecer pra que jamais aconteça novamente”.
Além do Cendhec, dentre as mais de 80 entidades que somaram forças ao Ato pela Democracia, no Recife, estão: o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe), Sindicato Municipal Dos Profissionais de Ensino da Rede (Simpere), Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural de Pernambuco (Aduferpe), Instituto Humanitas Unicap (IHU) e a Cátedra Unesco/Unicap Dom Helder Camara de Direitos Humanos.
Categorias
Posts recentes
Há Juízes em Roma: a hora da verdade
Tags
AJUDE-NOS
Faça parte deste projeto doando