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A Luta Antimanicomial reforça o direito à liberdade

O movimento que deu início à reforma psiquiátrica completou 35 anos de história na última quinta-feira (18), dia que marca a importância da Luta Antimanicomial. Foi em 1987 que movimentos ligados à saúde denunciaram abusos cometidos por hospitais psiquiátricos aos pacientes e técnicos da área. Um dos grupos mais importantes, à época, foi o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que tinha como objetivo acabar com os manicômios e internações violentas.

A psiquiatra Nise de Oliveira foi um dos principais nomes na luta por uma medicina humanizada, se opondo às práticas degradantes, como o uso de eletrochoque. Nascida em Alagoas, Maceió, ela foi uma das pioneiras na Terapia Ocupacional, que utiliza a arte no tratamento de pessoas em sofrimento mental. Mesmo após os anos de dedicação e todos os avanços promovidos por sua atuação, em 2022, o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se opôs à inscrição do nome da médica no livro de Heróis e Heroínas da Pátria.

A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 25 de maio do ano passado. O não-reeleito se apoiava na “contrariedade ao interesse público”, sustentando que não era possível avaliar “a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da nação, a despeito de sua contribuição para a área da terapia ocupacional”. O veto foi derrubado pelo Senado Federal, em julho.

Sob o governo Bolsonaro, ainda, testemunhamos o maior desmonte da saúde mental já registrado. A portaria GM/MS n°596, de 22 de março de 2022, suspendeu verbas destinadas à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e, ao mesmo tempo, promoveu o repasse de 10 milhões para a construção de hospitais psiquiátricos. A mesma portaria inviabilizou o Programa de Desinstitucionalização, que defendia a reinserção de pessoas com problemas de saúde mental e decorrentes do uso de álcool e outras drogas internadas em hospitais psiquiátricos há mais de um ano na sociedade. Medida que estigmatiza e ignora a chance de ressocialização.

A insuficiência de dados públicos atualizados limita a possibilidade da análise da evolução de gastos federais com as políticas de saúde mental nos últimos anos. De acordo com o último relatório da Inspeção Nacional em Hospitais Psiquiátricos, em 2018, o Ministério da Saúde destinou a política nacional de saúde mental, álcool e outras drogas o montante de aproximadamente 5% do orçamento para 2017. Em contrapartida, no mesmo período, o aumento de financiamento destinado a hospitais psiquiátricos cresceu cerca de 26%.

Significa dizer que, durante a gestão federal interina de Michel Temer, e nos últimos anos, sob o governo de Bolsonaro, a desassistência na saúde mental agravou-se com a promulgação da Lei do Teto de Gastos, ainda de 2016, que diminui os recursos destinados à saúde e à educação. Antes mesmo da PEC 55/2016, os órgãos e conselhos públicos como o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, Conselho Federal de Psicologia e o Conselho Nacional do Ministério Público alertavam sobre as ilegalidades desde 2015, após realizar inspeções, onde foram verficadas múltiplas e graves violações em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas. Entre as ilegalidades, foram encontradas condições sanitárias degradantes, práticas de tortura e medicações excessiva, crimes que remontam o passado de violações aos Direitos Humanos.

Trazendo para o âmbito estadual, em Pernambuco a pauta da saúde mental ficou ainda mais delicada após o decreto da governadora Raquel Lyra (PSDB) que exonerou todos os cargos comissionados do Estado. A então vaga da Gerência de Saúde Mental (GASAM) da Secretaria Estadual de Saúde segue vazia e sem planejamento sobre as diretrizes para a pasta ao longo do governo. São 679 cargos vagos que não foram preenchidos, entre eles: médicos, analistas de saúde, assistentes em saúde, auxiliares e fiscais de vigilância sanitária.

“O retorno de espaços como o manicômio só fortalece uma lógica de opressão e violência. O sofrimento mental é múltiplo e complexo, liga-se às condições de vida, de desenvolvimento e de relações. É preciso atenção ao falar de psicopatologia, afinal na vida há sofrimento, dificuldades e singularidades; não é preciso patologizar o viver. O desmonte das políticas públicas e o corte de recursos apontam para a priorização de outras esferas da vida social, que desvalorizam o bem-estar e a saúde como direito. Não cuida-se dos que estão em sofrimento e fazem sofrer os que ainda não estavam adoecidos”, comenta. Luanna Cruz, psicóloga do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social.

“O cuidado em saúde mental precisa incluir uma vida digna e em sociedade. Para isso, temos a RAPS – Rede de atenção psicossocial, que defende um cuidado intersetorial, multidisciplinar, singularizado e em comunidade. O manicômio não é uma estrutura física, mas uma lógica de segregação, discriminação e desvalia de vidas humanas, estruturado através da patologizacao da vida e a naturalização de práticas manicomiais”.

Luanna acrescenta ainda que a luta antimanicomial é resultado de uma mobilização em prol dos Direitos Humanos e contra a desumanização de pessoas, defendendo que a conquista de direitos na saúde é uma luta de todos. “Precisamos derrubar os muros manicomiais das nossas mentes, que imaginariamente segregam e excluem pessoas que precisam ser cuidadas e entendidas. Por isto, defendemos o cuidado em liberdade de pessoas em sofrimento mental, sustentadas por políticas de saúde mental que promovam o cuidado de forma integral, defendo direitos e garantindo uma vida digna e equalitaria. Por política antimanicomial, anticapacitista, antiproibicionista, antirracista e livre de toda forma de opressão; afinal, a saúde mental caminha de mãos dadas com os direitos humanos”, pontua.

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