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Entre passos e andanças, mães que caminham com outras

“Ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos”, o trecho da música Mamãe Coragem, interpretada por Gal Costa, faz referência ao (ser) mãe e os atravessamentos da maternidade. O Dia das Mães, que celebramos hoje, não precisa partir da lógica comercial capitalista, mas como uma data para reforçar, desdobrar fibra por fibra as lutas cravadas em busca da emancipação política feminina e no acesso aos direitos humanos.

Essa pode ser uma caminhada solitária. De acordo com os cartórios de registro civil, nos quatro primeiros meses de 2022 mais de 56.931 crianças foram registradas sem o nome paterno. A responsabilidade da criação dos filhos e filhas, sozinha, ainda encontra a miséria. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza.

Pensar em políticas para mães é assegurar a permanência de mulheres em espaços e permitir que elas possam, sobretudo, ter acesso aos direitos sociais. “Eu gostaria que o dia das mães fosse um dia para se construir políticas públicas, um dia de aprovação de leis para as mães”, comenta a artista visual e estudante universitária, Letícia Carvalho, moradora de Jaboatão dos Guararapes. “Uma coisa que foi muito violenta para mim não era maternar em si, se fala muito em puerpério. Foi extremamente violento mas não por questões biológicas, foi por questões sociais”.

Os espaços, que já eram de difícil acesso para mulheres, podem se tornar ainda mais hostis. “Na universidade, por exemplo, existe um problema estrutural de fazer discursos de incentivo a amamentação, mas agir de uma forma que está o tempo todo boicotando a amamentação, os vínculos e a saúde que ela constrói. Quando acabou a licença maternidade, falei com professores para fazer um acompanhamento especial, garantido para pessoas que tem alguma condição, e alguns professores negaram a adaptar o conteúdo, mesmo sendo pessoas com discursos de incentivo a educação”, comenta.

MATERNAR É UM ATO POLÍTICO

Com uma trajetória marcada por luta e inquietude, Marli Márcia da Silva, 61 anos, é bacharel em Direito e fundadora da Associação Pernambucana de Mães Solteiras APEMAS, localizada no Vasco da Gama, no Recife. Há 30 anos, quando decidiu ser mãe, foi vítima da irresponsabilidade paterna do ex-companheiro que, após uma semana de nascimento do seu filho, sumiu sem deixar respostas. Sua história se desdobrou em luta junto com mulheres das comunidades de Roda de Fogo e Torrões que, juntas, tiveram a ideia de fundar um espaço para discutir políticas sobre o reconhecimento da paternidade e apoio à outras mães.

Durante as trocas, a associação viu a necessidade de ampliar as discussões sobre a maternidade, abordando temas como pensão alimentícia, guarda compartilhada e alienação parental. “Conseguimos apoio do Ministério Público e judiciário. Hoje, um dos nossos maiores parceiros é a Defensoria Pública, é através deste órgão que as mulheres conseguem reivindicar seus direitos”, explica Marli.

“Criamos várias campanhas e recentemente fizemos um projeto que tem como objetivo uma caminhada em diversos bairros do Recife e região metropolitana, para atuar junto com a Defensoria Pública tirando dúvidas de mulheres que querem ingressar com uma ação de paternidade. Esse projeto foi muito importante, porque antes de ser efetivado ele teve apoio do Conselho Tutelar. Apesar dos anos fazendo este trabalho, ainda não tivemos apoio do Estado, apenas de fundos internacionais que ajudam a associação”, explica. 

Assim como Marlí e Letícia que usam a política como instrumento para acessar seus direitos, outras mães também caminham para que as vozes de mulheres sejam escoadas. São elas por elas, caminhando, correndo, desdobrando com coragem. Mostrando, diariamente que maternar é um ato político.

Também são elas que precisam de apoio, cuidado e segurança. Precisam que a luta seja reconhecida e estão cansadas do peso das expectativas. “Os homens acham nós, mães solteiras, por sermos guerreiras, temos que fazer o papel de pai e mãe. Isso não é verdade”, afirma Marli.

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