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Educação indígena especializada: aldeamento Fulni-ô reafirma sua identidade

“Nossa língua é nossa identidade. Estudar nossa língua nas escolas é muito importante para que ela se mantenha viva, além de ser a maneira pela qual a gente se comunica e exerce nossa religião”. As palavras da professora indígena, pedagoga e psicopedagoga, Thsaikya Fulni-ô, refletem a importância da educação pensada para crianças indígenas a partir de sua própria cultura.

Educadora popular no Aldeamento Indígena Fulni-ô, em Águas Belas, Thsaikya desenvolve um trabalho voluntário com um grupo de adolescentes formado principalmente por meninas. O trabalho aborda conscientização, identidade, cultura e religião com dinâmicas, livros e textos voltados para a educação fulni-ô.

A professora também atua na Escola Indígena Bilíngue Antônio José Moreira. Pioneira no ensino integrado da Língua Materna Yaathe com a modalidade do Ensino Regular, a instituição está localizada na comunidade Fulni-ô, em Águas Belas, agreste de Pernambuco. Na instituição de ensino, a língua materna integra a grade curricular, e os alunos aprendem matérias como história e geografia em Yaathe, além de terem aulas sobre noções de território, artesanato e de danças, como o Toré e a Cafurna, típicas do povo Fulni-ô.

Em menção ao mês dos povos indígenas, professores, coordenação e alunos organizaram um projeto pedagógico pensado para a difusão de conhecimentos. Com início nesta terça-feira (18), o evento tem como mote “nossa história contada e cantada”. Dessa maneira, atividades culturais como exposição de artesanatos, oficina de pintura, apresentações culturais de canto, dança e contação de histórias, são realizadas com a participação ativa dos alunos. O evento também homenageia, Marilena Araújo (Wadjá), pioneira no ensino da língua Yaathe.

O evento acontece como um intercâmbio de culturas, uma vez que a instituição abre as portas para moradores da cidade do agreste pernambucano. “A escola, como um espaço educacional, faz sua parte trazendo e convidando outras escolas e não-indígenas para virem assistir palestras e a cultivação de nossa cultura, além de conhecer como funciona a educação escolar indígena”, explica Ayruman, professor indígena de geografia na instituição. O professor ressalta o trabalho fundamental do evento e da data em menção aos povos originários, mas pontua que esse é, e deve ser, um exercício contínuo. “Ao longo do ano a gente procura sempre ampliar o conhecimento dos próprios indígenas e do não-indígena sobre a nossa identidade”.

Resistência

A educação de ensino especializado para populações tradicionais desenvolve o papel de democratização do ensino à medida que prioriza e valoriza as diversidades de cada povo, história e língua. Além disso, a educação específica destinada a crianças e adolescentes indígenas é um direito reconhecido na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.

Ter espaço para desenvolver trabalhos de conscientização e disseminar conhecimentos originários é motivo de comemoração. O povo Fulni-ô, atualmente, conta com dois modelos de liderança, com medidas e atuações distintas, fato que influenciou o acesso à aprendizagem. Durante a pandemia, parte das crianças e adolescentes ficou sem escola, uma vez que a única com ensino especializado no Aldeamento estava sendo ocupada por apenas um dos grupos. A outra parte precisou se deslocar para instituições de ensino da cidade, que não ofereciam educação indígena. “Eles não se sentiam pertencentes lá, pouco acolhidos”, conta Thsaikya. Como forma de amenizar os danos, por iniciativa própria, os educadores passaram a ensinar os alunos de maneira improvisada, nos quintais das casas.

É essencial pontuar que esse período coincidiu com a turbulência da pandemia da Covid-19, fator agravante no distanciamento de crianças e adolescentes do acesso à educação, que afetou principalmente crianças indígenas e negras. Segundo pesquisa da Unicef em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) Educação, divulgada em 2021, cerca de 70% das crianças e adolescentes sem acesso à educação são pretos, pardos e indígenas.

A educação especializada Fulni-ô é reflexo da luta de profissionais da educação e pais de crianças e adolescentes da comunidade. Após reivindicações, protestos e diálogos com o estado, a população conquistou espaço na Escola Indígena Bilíngue Antônio José Moreira, com a promessa do governo do estado de um espaço maior, até o final do ano.

Com a volta às salas de aula, os professores passaram a resgatar a imagem de resistência e a própria identidade para as crianças que ficaram mais distantes de tradições do povo. O sentimento de realização pela possibilidade de desenvolver as ações na comunidade, é nítido nas palavras de Thsaikya. O resgate de cultura e tradições é um compromisso com a própria identidade e ancestralidade do povo.

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