Habitação não é prioridade da Prefeitura do Recife
Na contramão de solucionar a lacuna habitacional da cidade, com um déficit de 71 mil moradias, a Prefeitura do Recife segue priorizando o mercado imobiliário. A aprovação do Projeto de Lei 46/2022, na última terça feira (14), é mais uma mostra do processo de gentrificação na capital.
Votado na Câmara Municipal do Recife, o PL 46 dá à Prefeitura autorização para o leilão de 14 imóveis públicos. Os 12 lotes do antigo Aeroclube, um prédio de conservação histórica e a sede da Previdência Municipal/Reciprev, que está em funcionamento, são os mais novos alvos da especulação imobiliária na cidade. Também fazia parte do projeto de vendas, mas retirada durante a sessão, a Escola Municipal Reitor João Alfredo, localizada na Ilha do Leite.
Em discurso durante a sessão ordinária na Câmara, o vereador Ivan Moraes, contrário à aprovação do PL, pontuou as ilegalidades na autorização da venda de imóveis em funcionamento e prédios de valor histórico. Mas além disso, o que chama a atenção e é enfatizado pelo vereador, é que “o Projeto 46 não tem uma linha sobre habitação popular”.
Ivan Moraes relembrou que, em reunião com o Conselho de Desenvolvimento Urbano, a Prefeitura mostrou intenção na elaboração de habitação popular, e no entanto identificou suposta ausência de terrenos para a construção das moradias. A venda do antigo Aeroclube, localizado no Pina, é, portanto, uma contradição, uma vez que a Prefeitura também informou a desapropriação de mais de 900 moradias, na Beira Rio, comunidade do Bode, no mesmo bairro. Ainda no discurso, Ivan sugeriu que “o terreno poderia garantir, por exemplo, moradia para os residentes do Beco do Surubim, que não foram contemplados nos habitacionais em Encanta Moça I e II”.
Fundador e integrante do coletivo Pão e Tinta, Pedro Stilo é morador da comunidade do Bode, e acompanha de perto os impactos da especulação imobiliária no bairro, que é o metro quadrado mais caro da cidade. Segundo ele, “a venda do Aeroclube não é entendível porque os habitacionais Encanta Moça I e II, tem 600 unidades, que não vão comportar toda a comunidade, com a remoção de mais de 900 famílias”. Stilo faz a pergunta, que também é um questionamento da população: “Como a Prefeitura vai vender o terreno tendo ainda mais de 400 famílias para realocar?”
As ações da Prefeitura e a aprovação do PL 46 escancaram o interesse mercadológico, que ganha o Recife, e o descompromisso com as centenas de famílias em situação de insegurança habitacional. São moradoras e moradores vítimas da desigualdade na cidade, que é a 2ª Metrópole mais desigual do país. São pessoas que além de estarem concentradas em áreas de risco, em sua maioria, convivem com a insegurança alimentar e o desemprego.
Stilo explica que a venda dos terrenos terá um impacto direto na comunidade do Bode, “Vem as empresas privadas, a especulação imobiliária aumenta, os valores da água, de comida, de tudo, aumenta, isso vai ter um impacto negativo na nossa comunidade que ainda hoje tem mais de 600 famílias em palafitas”.
O advogado do Centro Dom Helder Câmara e coordenador do programa Direito à Cidade, Luís Emmanuel relembra a movimentação da sociedade civil, através da Articulação Recife de Luta (ARL), contra uma cidade excludente e mercantilizada, que, inclusive, gerou a calamidade de 2022, responsável por vitimar 133 pessoas. Segundo ele, “O PL 46 tira área verde, engaveta projeto de habitação e mostra como a maior parte da população é ignorada quando se posiciona contra grandes projetos, que interessam apenas a uma pequena parcela de empresários”.
Luís pontua que “os desafios trazidos pela exclusão de uma cidade-produto e a situação de eventos climáticos extremos exigem de todas e todos nós uma movimentação completamente diferente do que o PL 46 propõe”.
Advogada popular e coordenadora de projeto no Cendhec, Juliana Accioly aponta a necessidade de uma incidência para que a destinação desses terrenos beneficie a população mais vulnerável. “A estratégia foi de colocar na ordem do dia uma pauta que beneficia as empreiteiras, na semana do Carnaval, quando sabemos que existe uma maior dificuldade de mobilização da população. Que está engajada não só nas festividades, mas também economicamente.”
Para Accioly, esta é a hora de acionar instâncias democráticas, em especial o Ministério Público a Defensoria Pública. “Sabemos que a gestão tende a priorizar iniciativas privadas e empreiteiras. Temos uma política habitacional em Recife extremamente defasada, em especial agora, que está na discussão o projeto do Novo Pina, uma área onde já tem o déficit habitacional muito grande e a perspectiva de remoção de pessoas. É um projeto que afeta famílias que moram na Bacia do Pina e palafitas, sem garantia de moradia popular para todas as pessoas.”
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