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Pelo direito de ser: Mês da visibilidade trans reforça a luta por cidadania e representatividade

O ano era 1977, Cláudia Celeste tornou-se a primeira travesti a estrear em uma novela brasileira em “Espelho Mágico”, da Globo. Por conta da Ditadura Militar foi perseguida e impedida de trabalhar na TV. A atriz voltou ao ar após dez anos, em “Olho por Olho”, na extinta TV Manchete. À época, Celeste contou, em uma entrevista para a revista Geni (2018), que os papéis atribuídos para ela eram sempre de travestis marginalizadas.

Em 2023, o autoritarismo, transfobia e repressão contra essa população ainda existem. Grande parte dos direitos de trans e travesti continuam negados, mas avanços importantes foram conquistados pela luta deste contingente.

No documentário Bixa Travesty (2018) protagonizado por Linn da Quebrada, disponível na Globo Play, o corpo da travesti é visto como instrumento político. O enredo do documentário provoca reflexões acerca do gênero, estimula o confronto e debate de ideias pré-estabelecidas que não deveriam perdurar nos dias de hoje. Apesar de épocas diferentes, o encontro dessas produções mostra como outras narrativas estão sendo construídas para a população trans e travesti na arte e no imaginário popular.

Cena do documentário Bixa Travesty (2018). Foto – Divulgação

“Ainda não conseguimos fugir desse conceito estabelecido de travesti e marginalidade. A gente ainda precisa retratar isso porque temos Pernambuco como um dos estado que mais mata pessoas travestis, esse ideal ainda precisa ser muito levantado. Quais são os fatores que levam esses corpos ainda estar nesses locais? Precisamos nivelar esse conhecimento e trazer à tona debates como este que explique o porquê travestis ainda são marginalizadas”, aponta a estudante de Serviço Social e coordenadora da Nova Associação de Travestis e Pessoas Trans de Pernambuco (NATRAPE), Ariel Xavier.

Ariel Xavier, coordenadora NATRAPE – Foto: Arquivo Pessoal

“Por mais que eu esteja em um espaço vantajoso enquanto travesti, no ambiente familiar que é totalmente seguro e confortável, eu ainda sinto a hostilidade na rua. A partir do momento que sabem que a gente é travesti, já é associado à marginalidade. Acho que a gente precisa começar a ter um imaginário diferente sobre elas, eu consigo imaginar dentre minhas amigas essa realidade. Uma é assistente social, bióloga, atriz, dentro do meu convívio social”, comenta.

Para Julie Lima (27), hoteleira, mudanças partem de quem está construindo o agora. “Acredito que tomamos um pouco as rédias das nossas próprias narrativas, das nossas histórias e dos nossos corpos. Passamos a exigir o que merecemos, exigir o que nos foi negado e o que nos foi tirado, que foi o respeito e a humanidade. Rompemos barreiras criadas com o intuito de nos manter às margens de tudo. Continuamos provando incansavelmente que nós somos dignas, capazes e prontas”, diz.

Julie Lima, hoteleira – Foto: Arquivo Pessoal

POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS

Para que a luta desta população por direitos seja reconhecida e desemboquem em uma sociedade mais igualitária, políticas públicas devem ser estabelecidas e cumpridas. Um exemplo disto é o Dia da Visibilidade Trans, celebrado no dia 29 de Janeiro, que foi instituído em 2004. O marco lançou a campanha Travesti e Respeito no Congresso Nacional que luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas trans e travestis. A partir desta data, o Ministério da Saúde formalizou o compromisso para a saúde da população LGBTQIAP+ e a criação de um comitê técnico que resiste até hoje.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), divulgou nesta quinta-feira (26), o dossiê anual “Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras”, referente ao ano de 2022. No último ano, 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil e outras 20 tiraram a própria vida devido à transfobia. Pernambuco foi o segundo estado brasileiro onde ocorreram mais crimes de travestifobia e transfobia do país, segundo dados da Rede Trans Brasil.

Esses números reforçam que faz-se necessário cobrar dos governos federal, estadual e municipal, mecanismos que busquem registrar crimes de transfobias e travestifobias, além de colocar em prática políticas de prevenção, para que os corpos delas e deles, acima de tudo, não sejam violados.

Robeyonce Advogada e co-deputada estadual – Foto: Arquivo Pessoal

Na contramão do que se apresenta em Pernambuco, a co-deputada estadual e Advogada Robeyoncé Lima alcançou um marco histórico nas eleições de 2022, com mais de 80 mil votos para Deputada Federal. Apesar do número expressivo e inédito, devido ao cálculo do quociente eleitoral ela não alcançou o cargo. A sua coligação não atingiu a quantidade mínima exigida de votos para que a legenda conquistasse direito a mais uma vaga na Câmara.

Para Robeyoncé ainda é preciso mudar a cara da política no congresso nacional para ter pessoas que representem a população trans e travesti no Palácio do Planalto. “Foram mais de 100 anos de República para somente em 2022 ter parlamentares trans em Brasília. A gente entende isso como um avanço revolucionário, mas também um desafio de aumento desses números. Não é somente uma questão de representatividade, mas uma questão da própria democracia. Não vai haver democracia enquanto não houver um congresso nacional, um parlamento, que seja plural. Eu digo com relação a gênero, raça, classe em relação a todos esses fatores para que a gente possa mudar  a cara da nossa política no país “, comenta.

Pela primeira vez, o congresso brasileiro recebe representantes trans e travestis. As eleições de 2022 elegeram duas deputadas federais: Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). Ambas foram também as primeiras vereadoras travestis eleitas em seus municípios. “Veja, somente em 2023 viemos ter parlamentares trans em Brasília, que é Erika Hilton e Duda Salabert. Eu não consegui entrar, mas fiquei muito feliz que duas de nós estarão lá representando, dando voz às nossas demandas, aos nossos pedidos. Apesar de um avanço, é também uma denúncia”, pontua

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