Nota Pública | O 4º e atual Ministro da Educação do Governo Bolsonaro desde Janeiro de 2020
O Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec), constituído como Centro de Defesa de Direitos Humanos, em específico dos Direitos de Crianças e Adolescentes, partilha sua indignação e interpela, publicamente, o nomeado Ministro da Educação, Pastor Milton Ribeiro, pela flagrante defesa da tortura como prática e “instrumento pedagógico” na educação de crianças.
Ainda que não proferida na atualidade, a fala, registrada em vídeo de quatro anos atrás, e que circula amplamente pelas redes sociais após a nomeação do Pastor, no dia 10 de julho de 2020, revela o modo de pensar a infância e a educação, afronta direitos e incita a violência como meio de disciplinamento e método corretivo.
Externamos nosso assombro diante do fato de um, agora servidor público, responsável pela garantia de direito fundamental, como é a educação, colocar, em primeiro plano, princípios de cunho moral, ética punitivista e dor física como forma de promover aprendizagem – em um evidente descumprimento à legislação nacional e internacional dos direitos da criança. À exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.090/13 de Julho de 1990, e dos princípios do cuidado, proteção e da compreensão de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e prioridade absoluta, e da Lei 13.010, de 26 de junho de 2014, conhecida como Lei Menino Bernardo, acrescida ao Estatuto em 2014, cujo artigo 18-A prevê:
“A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”.
A fala também desrespeita a Convenção Internacional da Criança – ratificada pelo Brasil, que é Estado parte – nos seus artigos 3º, 28º, 29º e 37º que afirmam, respectivamente, que: • Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (artigo 3, inciso 1); • Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas para velar por que a disciplina escolar seja assegurada de forma compatível com a dignidade humana da criança e nos termos da presente Convenção (artigo 28, inciso 2); • Os Estados Partes acordam em que a educação da criança deve destinar-se a Inculcar na criança o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (artigo 29, inciso 1b); • Os Estados Partes garantem que nenhuma criança será submetida à tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (artigo 37, inciso a).
A nomeação do Pastor Milton Ribeiro, e a revelação do seu pensamento sobre educar, vêm à tona justamente no momento em que o Estatuto da Criança e do Adolescente faz 30 anos – quando sua plena efetivação segue como uma busca e sua defesa uma bandeira intransigente.
É também um dos momentos mais dramáticos para a Educação no país – agravados pela pandemia da Covid-19 e seu contexto de medidas emergenciais que têm levado a flagrantes discriminações educacionais. E ainda pelo cenário de cortes anteriores à crise sanitária, como o caso emblemático da Emenda Constitucional 95/2016, conhecida como Emenda do Teto dos Gastos ou Emenda da Morte, que congela por 20 anos o investimento em áreas como saúde, educação e assistência social.
No país em que o Governo Federal vira as costas ao Plano Nacional de Educação (PNE), que contempla o decenal 2014-2024, e pretende extinguir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o novo ministro acumula, em seu histórico, orientações tais como as registradas no vídeo, que podem gerar violações de direitos de crianças e adolescentes, uma vez que são 38.739.061 estudantes [1], nas redes públicas, os sujeitos a quem o Estado deve garantir direito, focar sua atenção e prioridade. Desse contingente: mais de 5 milhões têm entre 4 e 5 anos, cerca de 13.700.00 entre 5 e 10 anos e mais de 10 milhões estão na faixa entre 10 e 14 anos de idade.
Ao mesmo tempo, cumpre lembrar que nomes de profissionais como o do teólogo, mestre em direito e doutor em educação, Pastor Milton Ribeiro, só se viabilizam à frente de um Ministério em um governo como o do atual Presidente da República – que tem a tortura como princípio político, como ética (perversa), como forma de promover submissão e disseminar violência. O mesmo presidente que nomeia o Pastor Milton Ribeiro é aquele que faz ampla defesa de torturadores, como foi Carlos Alberto Brilhante Ustra, Coronel do Exército Brasileiro, que torturou, inclusive, crianças. Também é o mesmo Presidente que ensina, sorridente, crianças a fazerem gestos de “arminha” com as mãos.
Dada a enorme gravidade, o desrespeito e as violações que ensejam, que as declarações do atual Ministro não sejam naturalizadas, nem banalizadas, tampouco que seus efeitos sejam diminuídos e relativizados pelo tempo em que foram ditas. Elas podem, afinal, se traduzir em marca de sua gestão.
Que sigamos atentos/as e firmes na defesa do direito à educação, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção Internacional da Criança e na responsabilidade do Estado Brasileiro.
1. Censo Escolar, 2019
Recife (PE), 12 de julho de 2020
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